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Por Allan Borges*
Dados do último censo de 2010, realizado há quase uma década, revelam um cenário assustador: 4,5% da população do Estado do Rio de Janeiro está em situação de sub-registro. Traduzindo em números, estamos falando de mais de 700 mil pessoas que nascem, crescem e vivem sem possuir a certidão de nascimento e carteira de identidade.

Nesta análise cabe registrar que, de modo geral, os temas da erradicação do sub-registro e da promoção da identificação civil como políticas de inclusão social estiveram subtraídos da agenda central dos governos, sendo incorporados, de maneira diluída, na forma tradicional de políticas emergenciais por meio de ações campanhistas, mesmo depois da Lei 9.534/1997, que tornou gratuito o registro de nascimento.

Para melhor entendermos a questão, precisamos discutir o formato institucional em que se manifestam as políticas públicas de assistência social e direitos humanos no Brasil. Esse debate traz em sua essência críticas ao formato jurídico institucional do Estado brasileiro. Mais precisamente nas formas que já foram utilizadas pelo poder público para viabilizar a provisão de serviços públicos destinados à garantia dos direitos econômicos, sociais e culturais para a população vulnerável.

É mais que necessário reforçar que a pobreza e a miséria não podem ser tratadas de maneira isolada. O registro civil, por exemplo, é uma demanda estrutural que deve ser enfrentada socialmente por meio de programas e projetos com busca ativa de escala estadual - ou até nacional - de atendimento.

A desigualdade social, sem dúvidas, é a causa-efeito do sub-registro civil, dentre outros fatores elencados pelo IBGE, como: distância dos cartórios; custo de deslocamento; desconhecimento da importância do registro; ausência de cartórios em alguns municípios; dificuldades de implementação de políticas de fundos compensatórios para os atos gratuitos do registro civil; e mães que adiam o registro de filhos que não têm o reconhecimento inicial ou espontâneo da paternidade.

De forma empírica, como atuante no manejo da assistência social por mais de 12 anos, posso afirmar que existe uma população invisível - diretamente afetada pela falta de registro e documentos. Esse contingente é composto, quase que em absoluto, por pessoas em situação de rua, ou acolhidas em abrigos públicos ou ainda migrantes sem documentação que, por consequência, não conseguem registrar seus filhos.

Para enfrentar este desafio, o investimento precisa ser executado sem sombreamento de ações, de forma que haja um retorno sistêmico do processo. Que considere políticas emergenciais, sim, desde que somadas às de transição estruturantes, com ações diretas. Estudos sobre políticas públicas de desenvolvimento social revelam que este é o único caminho para represarmos os altos índices de vulnerabilidade.

Assim sendo, neste contexto é que se constitui o trabalho que realizamos na Fundação Leão XIII, por meio de projetos que promovem a gratuidade na emissão de novas documentações. Já são mais de 45 mil cidadãos beneficiados pelo Identifica RJ, em mais de 310 ações realizadas, desde fevereiro. E para driblar outro alarmante problema - o elevado número de crianças matriculadas nas escolas que não possuem identificação civil -, é que surgiu o Identifica RJ nas Escolas. No campo técnico estruturante, o rastreio de massa nas unidades de ensino é uma política pública de escala estadual de alto impacto e eficiência. Lançado em setembro, chegamos a 1.500 crianças e adolescentes já beneficiados.

Sem esquecermos da parcela da população em situação de rua, que carece de políticas públicas de inclusão social efetivas - ainda muito tímidas em todo o país, garantir a cidadania destas pessoas é também parte da nossa missão. O Identifica RJ para População em Situação de Rua, portanto, cumpre a sua agenda ao assegurar documentação para quem vive em extrema vulnerabilidade, a partir da abordagem social e do entendimento das particularidades de cada um e dos encaminhamentos realizados.

Por tudo isso, estamos atentos para a problemática do sub-registro, em todas as suas esferas, e buscando tratar o assunto com a seriedade que lhe é pertinente. A cidadania, em suma, é o ponto mais elementar. Identificar é, acima de tudo, proteger.
 
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*Allan Borges é presidente da Fundação Leão XIII, mestrando em Bens Culturais e Projetos Sociais, pela FGV