Guilherme Pimentel - Divulgação
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Por Guilherme Pimentel*
Em 20 de fevereiro, teve fim a saga dos moradores de Paquetá que, na antevéspera de Natal, foram surpreendidos com aviso da CCR Barcas de que suas rotinas mudariam para pior em meio às festas de Ano Novo. Por si só, a forma como a empresa anunciou mudanças tão drásticas na grade de horários das viagens entre Paquetá e Praça XV deixava claro os contornos da injustiça que estava por vir. Afinal, haveria redução do número de partidas e alteração de itinerário que duplicaria o tempo de deslocamento entre a ilha e o continente.

Já em 26 de dezembro, com a presença da Defensoria Pública, uma assembleia reuniu tantos moradores que lotou a igreja local. A articulação da Associação de Moradores Morena com a Região Administrativa e com o Conselho Comunitário de Segurança organizou a população sob o lema #RespeitaPaquetá. E ao longo dos 57 dias seguintes a comunidade se manteve ativa e forte, vencendo as adversidades que surgiam.

A primeira delas foi justamente não ter sido consultada antes da decisão da mudança da grade. Como Ouvidor da Defensoria, tive o privilégio de manter a interlocução com os moradores da ilha e assim colaborar para que a Defensoria prestasse o melhor serviço possível à população. Recebi informações das instituições públicas de saúde e educação de que os serviços seriam comprometidos com as alterações anunciadas. Os dados foram repassados ao Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria, cuja atuação manteve-se fiel ao que desejava a população organizada.

A partir desse trabalho em conjunto, foi conquistada uma difícil mesa de negociação que conseguiu adiamentos e concessões por parte da CCR, mas não a solução do problema.

Com o reinício das atividades da Assembleia Legislativa, porém, a mobilização ganhou ainda mais ânimo. A injustiça era tamanha que nenhum dos deputados estaduais defendeu a nova grade de horários.

Da mobilização nasceu o acordo do último dia 20, entre Estado do Rio de Janeiro, CCR Barcas, Defensoria Pública e Ministério Público, o que garantiu a volta da antiga grade de horários.

O desfecho nos permite extrair pelo menos quatro importantes aprendizados. O primeiro é que políticas públicas descoladas da escuta da população são estranhas à democracia e podem trazer danos graves ao bom funcionamento das cidades. O segundo é que nada substitui a mobilização popular organizada e autônoma na luta por direitos. O terceiro é que a população tem na Defensoria Pública uma instituição fundamental para a defesa de seus direitos. O quarto aprendizado é que a criação de Ouvidorias Externas em órgãos públicos pode ser uma experiência importante nesses tempos que têm exigido de nós entrosamento entre a potência democrática da sociedade civil e a força do saber técnico disponível nos serviços públicos.

*Guilherme Pimentel é Ouvidor-Geral externo da Defensoria Pública do Rio para o biênio 2020-2021