João Batista Damasceno, colunista do DIA - Divulgação
João Batista Damasceno, colunista do DIADivulgação
Por João Batista Damasceno*
A secretária da Cultura Regina Duarte, em seu discurso de posse, elencou um conjunto de comportamentos que seriam expressão do seu conceito de cultura. Dentre eles estaria “aquele pum, produzido com talco, espirrando do traseiro do palhaço e fazendo a risadaria feliz da criançada. Cultura é assim. É feita de palhaçada”, disse. O desastroso discurso expressa a concepção de outros que, igualmente, acreditam que governar é apenas fazer palhaçada, embora não sejam artistas circenses.

Cultura é um conjunto de valores que permeiam as relações sociais. São ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais reiteradas por gerações. Cultura é parte da herança social que dá a dimensão da humanidade. Só o ser humano é capaz de produzir cultura. As expressões culturais distinguem-se dos comportamentos naturais ou biológicos. A cultura é aprendida com a socialização, desenvolvida e transmitida. É um complexo de comportamentos e conhecimentos; são crenças, artes, normas de conduta e costumes. Cultura é a forma de viver, de interagir e de se organizar de um povo, transmitida de geração para geração a partir de vivência e tradição comuns. É a identidade do povo.

Nos anos 80, o ministro da cultura Aluísio Pimenta disse que broa de milho também é cultura. E foi ridicularizado por uma elite que confunde cultura com belas artes. O que ele quis dizer é que comer é um ato biológico, mas o que comer e como comer é cultural. Os hábitos alimentares dos asiáticos nos parecem estranhos, assim como os povos do Oriente Médio têm nojo quando falamos que comemos camarão e carne de porco. Mas, pum de palhaço na cara do povo não é cultura. É escárnio com a pessoa humana. É a busca da desqualificação, preparando o terreno para a supressão dos direitos. Numa sociedade hierarquizada, rir do outro é imaginar-se em patamar inatingível por similar menosprezo. E os programas televisivos do “mundo cão” e das “pegadinhas” são a pedagogia para a desqualificação. Enquanto o povo ri ou reza seus direitos vão sendo abolidos e o patrimônio público transferido para mãos particulares.

Não se pode confundir a arte circense, que é expressão da cultura, com o pum do palhaço. Nem palhaçada com cultura. Palhaçada, às vezes, é mero desrespeito ao outro, usada para a desqualificação e o aviltamento do ser humano. A palhaçada pode ser o vilipêndio das próprias instituições por quem ocupa os cargos, sem decoro. O uso do carro e da faixa presidencial por um ator para ofender jornalistas, sob o aplauso de uma claque que não percebe que seus direitos estão sendo aniquilados, é emblemático. O ataque não foi aos jornalistas presentes. Mas, à imprensa e à cultura da informação e da comunicação em tempo de fake News e pós-verdade.

Numa sociedade que desumaniza as pessoas, o primeiro processo é submetê-las ao escárnio. A história registra a existência dos “Circos dos Horrores”, onde pessoas com deficiência física ou mental eram expostas para o entretenimento. O avanço da medicina e a difusão da cultura dos direitos humanos promoveu alteração no sentimento da sociedade. Pessoas com doenças ou mutações genéticas passaram a ser vistas como iguais, e não bichos a serem expostos. O primado da dignidade humana e a constituição de uma cultura de direitos humanos acarretaram o fim dos “Circos dos Horrores, espetáculo degradante para a humanidade. O pum, com talco, na cara do povo pode produzir a ‘risadaria’ infantilizada de quem ainda não percebeu que será atingido. Mas, não é cultura. A avacalhação retira a dignidade de quem a pratica e de quem a aceita, por proximidade ao poder. E, somente um servil bem remunerado é capaz de servir, indignamente, de escada para o protagonismo de um ser vil.
*João Batista Damasceno é juiz