Não é difícil chegar a essa conclusão: mais de 70% da população depende do SUS. E se há algo de concreto em termos de política pública é o sistêmico sucateamento das estruturas hospitalares, e o fechamento de leitos. De acordo com o Ministério de Saúde, o ideal seria ter ao menos três leitos para cada mil habitantes. A média nacional é de 2,1 leitos para cada mil habitantes. Ou seja, já faltam leitos, mesmo sem um coronavírus. Isso demonstra a fragilidade para responder à demanda por internações, como já se prevê para pandemia. Por outro lado, a ocupação desses leitos já atinge imediatamente os mais pobres: vários deles serão ocupados com urgência, adiando cirurgias e outros atendimentos.
A população pobre, que já sofre com as filas dos hospitais, a falta de profissionais e a precariedade do atendimento, pode ser submetida a uma situação ainda mais desumana. Em um país com 13 milhões de desempregados, 28 milhões sem trabalho ou no subemprego, como demonstrou o IBGE em 2019, não há esperança de vida digna durante e após a pandemia. São pessoas pobres, em sua maioria negras, que serão submetidas a regras de isolamento e higiene que não cabem no seu orçamento e na sua realidade cotidiana.
O momento nos exige reflexões humanitárias. Muitas dessas pessoas sequer possuem água encanada para beber, como atenderão à recomendação de lavar as mãos constantemente?
A racionalidade pública em um momento de crise sistêmica saúde precisa estar calcada na dignidade humana. Para isso, é central uma política de fortalecimento e investimento no Sistema Único de Saúde. A Necropolítica não pode avançar ainda mais. A humanidade precisa frear a naturalização da morte dos mais pobres. E o coronavírus não pode servir de instrumento para a propagação de uma política higienista, excludente e discriminatória. Se os pobres sucumbirem, o Estado Brasileiro assinará seu atestado de desumanidade.
*Renata Souza é deputada (Psol) e presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Alerj