João Batista Damasceno, colunista do DIA - Divulgação
João Batista Damasceno, colunista do DIADivulgação
Por João Batista Damasceno*
Derrotada e destruída na 1ª Guerra Mundial, a Alemanha perdeu suas fontes de renda e seus recursos naturais. O capital mundial vivia mais uma de suas crises. Como solução difundiu-se a ideia de que somente aqueles que tivessem utilidade tinham o direito de viver. No livro Minha Luta, de Hitler, está explícita a concepção genocida.

Neste momento em que um vírus se difunde mundialmente, a ideia de que a morte de dezenas de milhares de pessoas em prol da ordem econômica não faz diferença volta a nos assombrar. Para idosos e pessoas com doenças pré-existentes o contato com o vírus pode ser fatal. Por isso, autoridades sanitárias propõem o confinamento para evitar que os jovens sadios sejam vetores do micro-organismo. A situação é agravada pela precariedade dos hospitais públicos e do sistema de saúde, sucateados por sucessivas políticas neoliberais. A emenda constitucional 95, que congelou os gastos com saúde por 20 anos, é uma lástima. Mas, o presidente da República ocupou cadeia de rádio e TV conclamando a população a voltar às ruas, para evitar danos à economia.

A conduta do presidente não é ditada pela irracionalidade. Trata-se de opção racional entre a vida e a lucratividade da ordem econômica. Nosso sistema de produção vê a pessoa humana com duas finalidades: produzir e consumir. A eliminação, pelo vírus, dos que não produzem é saudada por quem não tem compromisso com a vida humana e veem na morte solução para o problema da previdência e dos gastos sociais. O projeto é genocida!

Mas, o impacto sobre o sistema produtivo, em razão do confinamento, pode ser minorado por uma politica de renda mínima. E isto implicaria apenas ínfima parcela do que é entregue mensalmente aos banqueiros, categoria a que pertence o ministro Paulo Guedes.

O nazismo foi retratado como período da banalização do mal. Antes do sacrifício de judeus, comunistas, ciganos, homossexuais e opositores os enfermos crônicos é que foram eliminados. Os indesejáveis, enquanto produtivos, eram encaminhados para campos de trabalho forçado. A eliminação final somente ocorreu quando já não mais se mostravam úteis.

A ideia que somente deveriam viver os fortes, inteligentes e competentes se contrapunha ao ideário de Sócrates e Cristo, que valorizaram os pequeninos e propagaram o conceito de defesa dos fracos e da prevalência da justiça ao invés da força. Mas parcela dos líderes religiosos na Alemanha apoiou o nazismo, esquecendo o ideário da divindade a que diziam servir. Neste momento, lideranças religiosas que defendem tão veementemente a vida, quando se trata de aborto, se calam ante sugestão de morte de idosos em proveito da ordem econômica.

A humanidade é uma comunidade em que cada vida e cada pessoa importam. Somos um todo. Não construímos as instituições para que os mais fortes sobrevivessem em detrimento do sacrifício dos mais fracos, mas para que as nossas relações sejam permeadas por valores que nos possibilitem auxiliar uns aos outros e que todos possamos desfrutar do resultado do trabalho social, para o qual cada um dá um tipo de contribuição.

Não podemos, em nome da ordem econômica e da apropriação privada, permitir que o coronavírus seja difundido, propiciando a eliminação daqueles que são tratados como inúteis para o mercado. A política genocida que já elimina pretos e pobres na periferia não pode ser estendida aos idosos e doentes. Que todos tenham vida e que a tenham em abundância!
*João Batista Damasceno é juiz