Maria dos Camelôs - Divulgação
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Por Maria dos Camelôs*
O burburinho das ruas foi sufocado de repente por uma crise sanitária sem precedentes. A disseminação do coronavírus transformou a vida de todo o mundo. Era na avenida movimentada, portas de casas de espetáculos, estádios de futebol, entradas de metrô, parques, praias ou em qualquer lugar de aglomeração que o camelô e uma cadeia de serviços formada por outros trabalhadores informais (taxistas, ubers, entregadores, flanelinhas e etc) ganhavam a vida. Dias ensolarados ou de chuva se tornavam oportunidades de negócios para ambulantes. Quem nunca comprou um guarda chuva por conta de um temporal repentino, matou a sede em um sinal de trânsito ou a fome em uma carrocinha?

Os versos da música, de Aldir Blanc, “... veio o camelô vender anel, cordão, perfume barato. Baiana pra fazer pastel e um bom churrasco de gato” remonta bem essa cena carioca.

Tudo mudou drasticamente e a realidade é que eles só recebem se trabalharem. Nem o mundo do trabalho ou o estado oferece qualquer segurança e garantia para esses trabalhadores. O que fazer sem uma rede de proteção e sem poder garantir a sobrevivência?

A morosidade e incapacidade dos governos em socorrer os vulneráveis expuseram a cruel desigualdade social e a precariedade enfrentada pelos informais nesses últimos tempos. Até então considerados invisíveis, pelo menos quarenta e seis milhões de brasileiros procuraram o auxílio governamental.

A ajuda do governo do estado ficou só no anúncio, não se tem notícia de que tenham chegado cestas básicas ou qualquer ajuda para quem atua na informalidade. Já a Prefeitura do Rio resolveu “fechar os olhos” para a realidade do mercado informal e de forma lenta decidiu atender apenas os licenciados. Essa escolha deixou de fora até os ambulantes auxiliares e pelo menos 50 mil pessoas que aguardam suas licenças.

Não dá para enxergar os efeitos da pandemia sem considerar outros fatores agravantes, a começar pela Reforma Trabalhista, que aumentou o desemprego e flexibilizou direitos; da PEC do Teto dos Gastos Públicos, limitando investimentos na educação e saúde; e a chamada “MP da Morte”, que possibilita a demissão e redução de carga horária e de salário.

Se a dificuldade dos informais é grande imagine para centenas de imigrantes que atuam no chamado "shopping chão". Oriundos do Equador, Chile, Bolívia e Angola estão totalmente desamparados e são ignorados pelas autoridades nesse período de quarentena.

Para defender essa grande massa de excluídos resta a nossa principal arma: a solidariedade. Existe uma onda crescente por toda parte para arrecadar doações de cestas básicas e materiais de higiene. Se os governos não dão conta, nós assumimos a tarefa. É necessário assegurar a vida das pessoas e o mínimo para sua subsistência.

Não sabemos quando tudo isso vai passar, mas o que fica de lição é que a informalidade precisa ser enxergada como parcela significativa da economia e que é necessário e urgente criar e implementar políticas públicas para o setor em todas as instâncias de governo.

*Maria dos Camelôs é Coordenadora Geral do MUCA (Movimento Unido dos Camelôs)