Luís Pimentel - Divulgação
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Por Luís Pimentel*
A peste chega quando menos se espera. Sim, porque ninguém é maluco de esperar por ela. Pode entrar pela porta ou pela janela.

A peste pode brotar dos intestinos da terra, dos resquícios da guerra, do inferno provisório. Pode ser criada em laboratório, gestada, brotada, refeita. E o pior: a peste às vezes pode até ser eleita.

A peste machuca quando abre a boca. Assusta com sua voz rouca. Que não é das ruas, mas dos esgotos. A peste cospe sobre nós os perdigotos. É áspera, é dura, betume, cimento.

E causa tanto sofrimento.

Às vezes brincamos de zombar da morte, de jogar com a sorte, de inventar nova crença. E para dentro de casa trazemos a doença. O horror. Às vezes travestido de “Salvador”.

“Não nos deixem sós”.

Pobre de nós.

É quando votamos mal, votamos no mau do mal. Por ilusão, desilusão, assombração ou pela doentia procura de um igual.

É fácil fazer um teste e ver se está ou não contaminado com o vírus do profeta equivocado. Estuda a folha corrida do santo, antes de abraçar a peste em seu quebranto. O vírus da covardia é ocioso. Daí, o voto perigoso.

A peste passou por aqui (Não a peste do Camus). E aqui ficou. Sabemos que a desgraça no mundo inteiro se instalou. E o que menos importa é saber onde começou: na China, na Cochinchina? Em Singapura? Talvez nas entranhas da ditadura. Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe; mas assim nasceu a peste que nos cabe.

A peste infesta hospitais. Infecta ruas e carnavais. Sabemos que não vacinas. Morremos de abandono ou cloroquina. Morremos, ninguém socorre. Morremos em cada amigo que hoje morre. Morremos também de tristeza, do pão que não chega à mesa, da esperança regrada.

E a peste quer fazer do limão a limonada. Abre o curral e libera sua boiada, para gritar nas ruas, infiéis levando arrocho e suadouro. São bois a caminho do matadouro.

A esperança é a última que morre, embora a maioria dos esperançosos morra antes. Mas vamos botar fé na fé do Navegante, que a História poderá ser recontada. E rezar para a peste ir embora, para a vida retomar o seu caminho, para o amor imperar frente ao espinho, a noite abrir as asas para o sol, a coragem falar mais alto nesta hora, afastando o medo que tanto apavora, redobrando as forças para lutar.

Que juntamente com a pandemia seja varrida a arrogância, a petulância, a intolerância e essa podre megalomania. Deus nos livre da tirania, da febre, da tosse, da dor no peito, desse tonel de defeitos que um monstro malvado evacuou sobre nós.

Pois aqui a peste chegou dobrada: uma que ninguém pediu; outra que foi encomendada.
*Luís Pimentel é jornalista e escritor