Júlio Furtado, colunista do DIA - Divulgação
Júlio Furtado, colunista do DIADivulgação
Por Júlio Furtado*
Tenho assessorado escolas e secretarias de educação nesse período de pandemia a colocarem em prática as atividades pedagógicas não presenciais conforme define o Parecer 005 do CNE (Conselho Nacional de Educação). Não que eu tenha respostas prontas para todas as dúvidas e novas necessidades, mas como estou em contato com vários contextos, procuro ser uma espécie de disseminador de possibilidades e mobilizador de coragem para enfrentar o momento de distanciamento social. A realidade está nos exigindo, acima de tudo, coragem.

Tenho ouvido frequentemente a frase “não fomos preparados para isso”, o que me fez pensar sobre o quanto estamos despreparados para lidar com mudanças disruptivas que são aquelas que não respeitam o curso normal das coisas, não seguem as fases lógicas de um processo. Taxistas tiveram que enfrentar os aplicativos de transporte e hotéis, os aplicativos de hospedagem em casas particulares. Mudanças disruptivas serão cada vez mais comuns em nosso mundo, já previram cientistas sociais e futurólogos e nesse contexto, a coragem e a predisposição para buscar soluções substituirão a velha “preparação”.

Acreditar que saídas sempre existem e estar empenhado em encontrá-las é a principal condição para lidarmos com a realidade das mudanças abruptas. Nesse contexto, fico me perguntado para o quê estamos preparados enquanto educadores e enquanto escolas? A realidade está nos mostrando que, de forma geral, não conseguimos desenvolver autonomia em nossos alunos, vide problemas de compreensão das atividades a distância. Não conseguimos construir uma relação metodológica motivadora, capaz de tornar o ato de aprender um desafio prazeroso e, tampouco demos conta de ter claros o real papel dos pais no processo de aprendizagem escolar.

É fato. Não estamos preparados para isso. Estamos tendo que nos preparar ao longo do caminho e penso que nosso principal aprendizado é esse: trocar o pneu do carro com o carro em movimento e, num momento surpreendente, descobrir que é possível! Tenho recebido muitos relatos de professores encantados com as possibilidades que estão descobrindo através do “mundo tecnológico” e outros, dizendo do quanto ter que buscar novas maneiras de ensinar tem contribuído para que eles percebam o quanto estavam precisando mudar. Lindos insights em tempos de pandemia.

De fato, não estávamos preparados para isso, mas sempre surgem novas estruturas a partir do caos. Imagino que somos lançados numa situação caótica para que a ruptura com o velho modelo seja imediata. A disrupção serve para que paremos de dar desculpas e abandonemos de vez o velho jeito de fazer as coisas. Lembro-me de quando minha mãe tirou e escondeu as rodinhas de minha bicicleta. Protestei de todas as formas possíveis e de nada adiantou. Pirracei, dizendo que não andaria nunca mais de bicicleta, mas o tempo e a vontade de me superar fizeram com que, após várias quedas, eu aprendesse a me equilibrar em duas rodas. Em certos momentos é essencial que não sejamos preparados para isso.
*Júlio Furtado é professor e escritor