João Batista Damasceno, colunista do DIA - Divulgação
João Batista Damasceno, colunista do DIADivulgação
Por João Batista Damasceno*
Ao analisar a estrutura social segregacionista persistente no Brasil, Darcy Ribeiro dizia que “a crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”. Darcy estudava o Brasil e buscava identificar seus problemas para poder transformá-lo. Mas, encontrava resistências daqueles que arquitetaram a nossa realidade iníqua e com ela lucravam. Só um projeto educacional muito bem elaborado possibilita a acomodação social e a manutenção da desigualdade social sem que os excluídos se rebelem.

A classe dominante executou seus projetos no Brasil e lucrou com suas execuções. Ao tempo da colônia, para impedir o desenvolvimento, era proibida qualquer manufatura. Tudo tinha que ser comprado de Portugal. A indústria inglesa é que supria a metrópole dos produtos e em troca ficava com o ouro das Minas Gerais. O ouro, a cana de açúcar e o café enriqueceram poucos e destruíram a vida de muitos reduzidos à escravidão. Os filhos da aristocracia podiam estudar em Portugal, mas inexistia qualquer educação para os demais. Mesmo os colégios jesuítas foram fechados em 1759 e não se colocou nada no lugar.

O golpe militar que instituiu a República em 1889 entregou o controle da vida cotidiana ao mando local e instituiu o coronelismo. Com a Revolução de 30, chefiada por Getúlio Vargas, o Brasil se tornou nação. Iniciou-se o processo de industrialização, foram editadas leis trabalhistas e o sistema de saúde deixou de ser, exclusivamente, o caritativo das Santas Casas. Os institutos de trabalhadores tinham sua própria rede de saúde.

Mas, o projeto nacionalista de um Brasil para os brasileiros foi interrompido com o golpe empresarial-militar de 1964 e os entreguistas executaram projeto que subordinava o Brasil aos interesses dos EUA. Os militares nacionalistas e os de esquerda foram expulsos das Forças Armadas. Ficaram os tenentistas e a tigrada da ‘linha dura’. Para os militares, o AI-17 foi pior que o AI-5. Mas, a ‘linha dura’ se sobrepôs e acabou por isolar até mesmo os companheiros mais ilustrados e, durante a abertura, tentou intimidar a sociedade colocando bombas na ABI, na OAB, na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, em bancas de jornais. Mas, uma
bomba explodiu no colo dos terroristas fardados, no RioCentro em 1981, obrigando-os ao recolhimento.

A abertura democrática se fez e em 1988 foi editada a Constituição cidadã. Mas, por não terem sido responsabilizados pelas atrocidades cometidas durante a ditadura, contra pessoas e contra a soberania nacional, empresários e agentes do sistema repressivo se sentiram a vontade para continuarem sua sanha golpista. A irresponsabilidade de governos democráticos que colocaram as Forças Armadas em papel de polícia reacendeu o gosto repressivo daqueles que não se adequaram à ordem democrática e ao Estado de Direito.

O sistema repressivo montado para perseguir os brasileiros durante a ditadura empresarial-militar contava com paramilitares que se notabilizaram por se chamarem de “esquadrão da morte” e que deram origem às atuais milícias. Estes grupos de agentes públicos e particulares, fora do serviço oficial, mas contando com apoio hierárquico, são uma ameaça à vida, à liberdade, à democracia e ao Estado de Direito. No presente momento, se preparam para enfrentar os que se manifestam pela democracia e contra o fascismo. E, prometem se infiltrar entre os manifestantes para promover arruaças e lhes imputar responsabilidade. Se o governador tem o comando das polícias estaduais e compromisso com a democracia cabe-lhe ordenar que os órgãos de segurança impeçam a atuação das milícias contra os manifestantes. Afinal, é livre a reunião, mas sem armas. A Constituição que prevê tal garantia não ressalva que deputados, policiais e milicianos possam ir a reuniões públicas com suas armas, mesmo que tenham autorização para porte legal em outras circunstâncias.
*João Batista Damasceno é professor da UERJ e Doutor em Ciência Política