Abner Francisco Sótenos - Divulgação
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Por Abner Francisco Sótenos*
Não há como combater o racismo estrutural a partir de uma frente multirracial quando não se reconhece que pessoas brancas são as únicas a se beneficiarem do racismo. Portanto, são elas que precisam enxergar os privilégios que elas possuem por serem brancas e abrir mão deles. Se juntarem a luta em defesa de vidas negras e indígenas.

Se o norte-americano George Floyd, 46, fosse brasileiro e tivesse sido morto nas mesmas condições no Rio de Janeiro, por exemplo, a morte dele possivelmente não teria causado nenhum grande protesto. Floyd foi morto no último dia 25 de maio na cidade de Minneapolis nos Estados Unidos. Um policial branco ficou ajoelhado por cerca de oito minutos sobre o pescoço do já imobilizado Floyd que veio a óbito em seguida. Toda a cena foi filmada, o policial parecia posar para as câmeras dos celulares das testemunhas a sua volta. As últimas palavras de Floyd foram: “mãe, mãe!” e “eu não consigo respirar!”

Os americanos em geral não tiveram dúvidas de que a morte de Floyd foi causada pelo racismo. O mesmo racismo que mata mais negros em decorrência das complicações causadas pelo COVID-19 no país. Isto devido as péssimas condições de vida que a população negra vive.

O assassinato de George Floyd já provoca mudanças no comportamento dos americanos e amplia o debate em favor da desmilitarização das forças policiais. Isto porque após a divulgação do vídeo da morte dele, uma onda de protestos se espalhou pelos Estados Unidos e ganhou o mundo. Pessoas de diferentes grupos religiosos, idades e grupos étnicos-raciais tais como negros, latinos, brancos, asiáticos se juntaram numa frente antirracista contra as violências cometidas contra as pessoas negras. Eles defendem que “Vidas negras importam!”

No Brasil é improvável a formação de uma mobilização antirracista tão diversa quanto a que vemos nos Estados Unidos e na Europa. Isto porque geralmente se ignoram o peso do racismo sobre a vida das pessoas negras e indígenas. Assim como se ignoram que as pessoas consideradas brancas no Brasil têm mais privilégios, proteção e dignidade do que as que as que não são brancas. Assim, não há como combater o racismo estrutural a partir de uma frente multirracial quando não se reconhecem que pessoas brancas são as únicas a se beneficiarem dele. Portanto, são elas que precisam enxergar os privilégios que elas possuem por serem brancas e abrir mão deles.

Assim, mesmo diante de uma epidemia que mata mais pessoas pobres e entre estas, mais pessoas negras, vamos continuar contando os corpos de negros e negras mortos em operações policiais em todo o país. Uma vez que estudos apontaram que durante a quarentena o número de mortos em operações policiais cresceu 43% em relação ao mesmo período do ano passado. A maioria das vítimas são negras.

O Rio de Janeiro é um exemplo de que vidas negras quase não importam, ou melhor, importam somente para os familiares das vítimas. Se casos como o assassinato de crianças negras como Ágatha Félix, João Pedro, Jeniffer Gomes, por exemplo não pararam a cidade devido os protestos, significa que somos sim coniventes com o racismo. Se mais de 80 tiros disparados por militares do Exército que matou o músico negro Evaldo Rosa no ano passado não colocou o país de cabeça para baixo, mostra que nosso cinismo diante destes episódios alimenta o racismo.

*Abner Francisco Sótenos está no Ph.D. em História da América Latina na University of California, San Diego (UCSD). É apresentador do canal Cozinhando História com Chico Só, que será lançado em breve no Youtube e co-autor do livro História Escrita, história vivida: Movimentos sociais, memória e repressão política na ditadura militar brasileira