João Batista Damasceno, colunista do DIA - Divulgação
João Batista Damasceno, colunista do DIADivulgação
Por João Batista Damasceno*
João Mangabeira, em 1949, por ocasião do centenário do nascimento de Ruy Barbosa disse que, na República, o judiciário foi o poder que mais falhou por não ter desempenhado as funções lhe acometidas na ordem jurídico-política constitucional. O texto está na obra ‘Rui, o Estadista da República’. O parlamentar udenista Afonso Arino de Melo Franco não gostou do papel atribuído a Ruy Barbosa e escreveu ‘Um estadista da República: Afrânio de Melo Franco’. Melhor seria que tivesse intitulado a obra como ‘Elogios a papai’.

Proclamada a República, Ruy Barbosa tinha dificuldade de convencer os ministros do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade de leis contrárias à Constituição. É que os ministros do STF eram os mesmos que vinham do Império e, neste, a sanção do Imperador excluía qualquer vício no processo de elaboração das leis. A sanção pelo Imperador de um projeto de lei inconstitucional ao invés da sua nulidade, elevava a lei inconstitucional à categoria de Emenda à Constituição. O novo sistema não foi entendido pelos velhos ministros imperiais na nova ordem republicana.

A afronta ao Poder Judiciário foi permanente durante a Primeira República. Culpa em parte dos seus membros que não se colocaram à altura das prerrogativas pelas quais deveriam zelar. Quando a Marinha se voltou contra os abusos que o Marechal Floriano Peixoto praticava, muitos opositores foram presos e Ruy Barbosa impetrou habeas corpus em favor dos presos mantidos nesta condição ilegalmente. O Marechal de Ferro mandou um recado aos ministros do STF, perguntando quem lhes deferiria habeas corpus se eles deferissem habeas corpus aos seus presos. Se em alguns momentos tivemos juízes que, em nome da prudência, ficaram na sombra e deixaram as garantias ser solapadas, também tivemos outros que se expuseram e dignificaram a toga que vestiram.

Um juiz no Rio Grande do Sul declarou a inconstitucionalidade de um artigo do Código de Processo Penal Gaúcho, para o descontentamento do todo poderoso caudilho Júlio de Castilho. O juiz chegou a ser processado criminalmente. A imprensa dava razão a Júlio de Castilho. Como um juiz ousava declarar a inconstitucionalidade de uma lei que tivera a aquiescência do caudilho? Até Machado de Assis se posicionou contra o juiz. Mas, o magistrado sabia o que estava fazendo, resistiu, respondeu ao processo e ao final foi absolvido.

Foi a politização da justiça, os convescotes nos quais determinados magistrados se enfiaram e a pusilanimidade de muitos o que possibilitou ao Exército atuar como poder moderador durante a República, até a ocorrência da malsinada noite iniciada em 1964 e que durou 21 anos, cuja atuação das forças armadas deixou as fardas sujas com o sangue daqueles que foram torturados e mortos em suas dependências.

Mas o Poder Judiciário, também teve e tem magistrados com elevadas concepções de suas funções. Após a criação da Petrobrás, os interesses contrários ao povo brasileiro levou Getúlio Vargas ao suicídio e tentou-se um golpe no sucessor eleito. Num habeas corpus impetrado em 1955 as duas visões de magistratura estiveram expostas num julgamento: de um lado o ministro Ribeiro da Costa e de outro o ministro Nelson Hungria que disse não deferiria liminar contra o Exército, porque as armas dos militares eram de verdade e as espadas do STF eram meros adereços no teto.

O ministro Ribeiro da Costa, na presidência do STF em 1965, foi quem alertou o Marechal Castelo Branco do descumprimento de habeas corpus pelo general envolvido na criação do primeiro grupo de homens autorizados a matar no Distrito Federal, ainda em 1958, origem das milícias. O marechal-presidente mandou cumprir a decisão do STF. Mas, a linha dura se vingou posteriormente decretando o AI-5 e cassou os ministros do STF que apoiaram o ministro Ribeiro da Costa. Os seguidores da linha dura ainda hoje assombram a democracia e o Estado de Direito. Mas, ainda há juízes no Brasil!
*João Batista Damasceno é professor da UERJ e Doutor em Ciência Política