Gabriel Chalita, colunista do DIA - Divulgação
Gabriel Chalita, colunista do DIADivulgação
Por Gabriel Chalita*
Como é bom ver novamente o mar! Como é bom sentir o infinito soprando minhas memórias!

Deixei de contar os dias em que fiquei preso em uma cama. Primeiro no hospital, depois em casa. Não gosto de me lembrar da explicação. Não foi agradável ouvir o que ouvi. Nunca mais poderia andar. O médico disse que era bom que eu soubesse, que eu me acostumasse, que tantas outras pessoas reencontravam forças com o tempo. Era bom que eu soubesse? Pode ser. Mas agradável não era.

Fiquei rascunhando em mim a diferença entre essas palavras. Nem sempre o que é bom é agradável. E nem sempre o que é agradável é bom. Cumpri deveres que foram bons para ser quem fui. E bebi, erroneamente, o agradável.

Foi um acidente. Eu não sei o que aconteceu comigo. Eu havia bebido. E por isso não era bom que eu dirigisse. Pensei nada naquela madrugada. Procurei um luar que não apareceu, olhei para a dor de uma separação. Separei-me de mim por alguns instantes e me achei em um hospital.

O fim de uma paixão é dor que passa. É bom pensar assim. E é o certo. Mas, naquela noite, quando vi os dois juntos, eu me perdi de mim. Foi bom que eu os visse. Só assim acreditei. Mas não foi agradável.

Eu nada fiz. Sorri para eles e chorei para mim. Bebi o esquecimento e esqueci de compreender que, um dia, esqueceria aquela visão. Dirigi sem pensamentos. Só a imagem do beijo que me escondia o luar. Pelo menos ninguém se feriu, além de mim. Houve um muro entre os meus delírios. Bastava que eu desviasse um pouco. Não consegui.

E agora estou aqui, vendo o mar. E há um preenchimento bom nos meus sentimentos. Nos meus sentimentos bons.

Não sei quem escreveu que os sentimentos são maiores que as emoções. Nem sei se está certo. Sei que a falta do caminhar não faz a falta que eu imaginava no início.

Caminho nos pensamentos, caminho na gratidão aos amigos que se revezaram em me entregar amor. As emoções de raiva, de vingança, foram cedendo vez para o sentimento de estar vivo e para o sentimento da compreensão de que a vida é muito maior do que uma visão em dia ruim. Ninguém gosta de ser trocado e isso dói, ninguém gosta de ser traído e isso nos tira os pés.

Os meus pés descansam, hoje, nessa cadeira, enquanto o mar faz o seu barulho. Em pouco tempo, vou poder nadar. Em pouco tempo, vou voltar a atender os meus pacientes. Sou dentista. Gosto de devolver sorrisos e de aliviar dores.

Sei que há muitos que se acidentam como eu e que não têm as condições que tenho para reinventar a vida. Sei que há os que nem conseguem sair de casa. Agradável não é ser privado do caminhar com pés próprios. Mas é bom que eu busque forças para fazer o que eu fazia mesmo em velocidades e jeitos diferentes.

O mar está calmo hoje. Já vi ondas mais difíceis. Já enfrentei tempestades. Algumas reais e algumas imaginárias. O medo do sofrer antecipa o sofrer. É bom que eu aprenda algo com tudo isso. O valor do instante. A compreensão dos instantes que se sucedem. As águas que vêm e que vão. Que beijam as areias e apagam as desnecessidades. E voltam à sua totalidade.

Gosto do cheiro de vida de hoje. Tenho alguém que me ajuda a ir onde preciso. É bom que eu saiba que sempre precisarei de alguém. Certamente, já precisava antes, mas não percebia. Se o bom e o agradável, por vezes, andam em trilhas diversas, hoje, resolveram ficar comigo.
Os sentimentos que tenho me trazem sorriso e me dizem que é agradável ver o mar e saber que estou limpo de emoções que não me faziam bem.

É bom estar vivo e saber o que sei e saber que terei que continuar a aprender a viver.
Como é bom ver, novamente, o mar.

*Gabriel Chalita é professor e escritor