Heber Maia - Arquivo pessoal
Heber MaiaArquivo pessoal
Por Heber Maia*
Quase quatro meses após a adoção de medidas de isolamento social e interrupção do ano escolar, os efeitos causados pela pandemia de COVID-19 são os mais variados para crianças e adolescentes, assim como são diversas as pessoas, as famílias e as experiências que viveram com a doença. Cada uma foi atingida de forma distinta em maior ou menor grau.
Acredito que a pandemia aguçou problemas educacionais e de saúde mental ou física que já existiam e que passavam despercebidos. Algumas crianças e adolescentes sentem-se de férias, com excesso de uso de redes sociais e eletrônicos e horários desregulados de sono. Os pais estão ocupados em home office ou trabalhando fora de casa. Não há cuidadores para monitorá-las, nem escola para cobrar, de forma que não conseguem ver razão para seguir por si próprias os estudos.
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A felicidade inicial de muito tempo livre aos poucos foi se transformando em monotonia, pois até diversão cansa. Isso pode gerar agitação, comportamento mais agressivo, alimentação exagerada. A falta de espaço para atividades físicas aumenta a obesidade e as queixas relacionadas a problemas posturais. Outras crianças sentem a falta dos amigos e professores e podem apresentar tristeza mais intensa e ansiedade, afetando o comportamento, a alimentação e o sono. O medo do vírus varia muito com a maturidade e a existência de conhecidos doentes.
Crianças com problemas de desenvolvimento (autismo, déficit de atenção, hiperatividade e atrasos) dependem de terapias e auxílio diferenciado na escola, sendo muito mais difícil seguir as atividades escolares a distância.
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Os pais devem estabelecer uma rotina que não sobreponha períodos de atenção ao seu próprio trabalho e a atenção aos filhos. A perspectiva de que as aulas presenciais possam voltar em meados de julho ou início de agosto, no Rio, pode ter o efeito positivo de trazer alegria e esperança (aumentando expectativa e ansiedade), mas também traz muita preocupação e dúvidas.
Será seguro expor meu filho à escola em um momento incerto e sem haver vacina ou tratamento? A escola irá cobrar com provas pelos estudos do período de isolamento? Adianta esse ano ser contado como dado se não houve efetivo aprendizado? Não acredito que a interrupção escolar tenha efeitos profundos na educação a longo prazo, desde que a escola consiga repor aos poucos os conteúdos. O prejuízo maior me parece ser para aqueles que estariam iniciando ou completando um ciclo importante, como a alfabetização ou a preparação para o ENEM.

O mais importante para aquelas famílias que não conseguiram estabelecer uma rotina de vida durante o confinamento, a proposta é fazer isso imediatamente. Colocar os filhos para dormir em horários razoáveis, regular a quantidade de horas nos eletrônicos e exigir compromisso com a hora dos estudos. Enfim, entender e fazer seus filhos entenderem que esse é o novo normal.
Uma coisa é certa, a pandemia mostrou uma realidade que precisa ser trabalhada na educação de nossos filhos: compromisso com os estudos é algo que parte de nós, pelo nosso interesse de crescer e descobrir um mundo infinito. A escola é um espaço essencial na mediação deste aprendizado, mas professores não são babás e estudo não se faz apenas por causa de prova. A pandemia nos mostrou a efetividade (ou não) da educação em casa. Hora de avaliar e melhorar pelo bem de nossos filhos.

*Heber Maia é neuropediatra, professor da Universidade Federal Fluminense e membro do departamento de Neurologia da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio (SOPERJ).