João Batista Damasceno  - Divulgação
João Batista Damasceno Divulgação
Por João Batista Damasceno professor da Uerj e doutor em Ciência Política
Ao restaurar pela terceira vez o processo de inventário da antropóloga Berta Gleizer Ribeiro, viúva do professor Darcy Ribeiro, em 2015, descobri que o apartamento que fora do casal estava ocupado por serventuário da justiça. Berta Ribeiro faleceu em 17 de novembro de 1997, no dia do nono mês do falecimento do ex-marido. Darcy fizera um testamento deixando a sua metade do apartamento para a ex-esposa, com quem voltara a viver nos últimos anos de suas vidas. A integralidade do imóvel compõe o espólio de Berta Ribeiro.
Eu sabia que Berta não tivera filhos. Conhecia a história da antropóloga. Seu pai, Motel Gleizer, viera para o Brasil no final dos anos 20 do século passado, oriundo da Bessarábia, país que não mais existe. Ao chegar ao Brasil tomou ciência de que sua esposa, Rosa Sadovnic Gleizer, havia morrido. Assim, voltou à sua terra e trouxe para o Brasil as duas filhas: Jenny com 15 anos e Berta com 8. Jenny desenvolvia trabalho comunitário numa cozinha e creche coletiva, formada por judeus pobres, na Praça XI no Rio de Janeiro. Em 1935, participando de um congresso de estudantes em São Paulo, a adolescente judia e pobre Jenny foi presa e expulsa do Brasil. Similar processo levou à expulsão de Olga Benário, no mesmo período, companheira do líder comunista Luis Carlos Prestes. Motel Gleiser partiu para a Europa atrás da filha, deixando no Brasil a pequena órfã Berta Gleizer aos cuidados de amigos.
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Num porto francês, os marinheiros do navio que levava Jenny deram-lhe fuga. Motel Gleizer acabou preso por nazistas, levado a um campo de concentração e morreu sem rever e saber o paradeiro da filha que buscava.
Finda a 2ª Guerra tomou-se conhecimento de que Jenny se engajara na resistência francesa, passara pela Venezuela e migrara para os Estados Unidos e que teve uma filha, Renée Simoza. Provavelmente teve sobrevida à irmã. Era portanto, a herdeira do apartamento de Berta e Darcy Ribeiro. Para que pudessem receber a herança busquei o paradeiro da irmã e sobrinha de Berta Ribeiro ou de seus familiares na Bessarábia, cujo nascimento foi em algum lugar do atual território da Moldávia, Romênia ou Ucrânia. A Bessarábia, não mais existe, a vila e os registros da época do nascimento de Berta Ribeiro são tidos como destruídos por sucessivas guerras e ocupações. Pedi informação ao Cônsul dos EUA no Rio de Janeiro sobre o paradeiro de Jenny e sua filha, cidadãs estadunidenses titulares do direito à herança. Explicitei que se tratava de interesse delas.
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Recebi resposta do diplomata norte-americano de que a lei do seu país proíbe se preste qualquer informação dos cidadãos estadunidenses a autoridades estrangeiras. Portanto, nenhuma colaboração poderia ser prestada por aquele país, ainda que no interesse dos seus nacionais.
A notícia de que juízes e procuradores ‘lavajatistas’ atuaram conjuntamente com agentes do FBI para investigar brasileiros, destruir a engenharia civil e naval brasileiras, aniquilar o programa de construção de um submarino nuclear, desmontar a Petrobrás e possibilitar apropriação das riquezas nacionais é estarrecedora. Mais do que se ater a fatos e personagens responsáveis pela Operação Lava Jato, atores medíocres a serviço do império ianque, é preciso interpretar este período da história como modelo de intervenção estrangeira no Brasil.
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Os marginais - porque à margem da lei –, que aturaram em conjunto com agentes estrangeiros para possibilitar a espoliação de nossas riquezas, violaram a soberania nacional e comprometeram a qualidade de vida do povo brasileiro. Por isso, não podem deixar de ser responsabilizados. A pretexto do combate à corrupção, cuja existência não pode ser negada, o que tivemos foi o desmonte de um projeto de país soberano, com a ajuda de entreguistas traidores da pátria.
*João Batista Damasceno é professor da Uerj e doutor em Ciência Política