Por Lier Pires Ferreira* e Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco**
A ascensão de Jair Bolsonaro à presidência da república exumou o fantasma do extremismo político, que transforma adversários em inimigos. Ex-capitão do Exército, ao longo de três décadas de vida parlamentar, Bolsonaro se notabilizou por declarações polêmicas que exaltaram o regime civil-militar, homenagearam torturadores e ofenderam a dignidade de mulheres, negros e homossexuais. Embora tenha jurado defender a Constituição, as atitudes do presidente, em sintonia com seu passado, mostram seu empenho em tornar a caça às bruxas uma realidade.

Para concretizar sua sanha persecutória, um primeiro passo foi dado: a militarização do governo. No momento em que a república carece mais profissionais da saúde do que da guerra, Bolsonaro aloca 6.157 militares no Executivo federal, ao mesmo tempo em que o número de óbitos provocados pelo novo coronavírus ultrapassa a soma de todos os brasileiros mortos nas guerras das quais o país foi parte ao longo de sua história, desde as Guerras da Regência até a Segunda Guerra Mundial.

Outra evidência da miopia presidencial é o fato de que os gastos com defesa não param de crescer. Em plena crise sanitária e econômica, o Ministério da Defesa (MD) incluiu na Política Nacional de Defesa a meta de gastar 37% do orçamento de 2021, algo equivalente a 2% do PIB. Paradoxalmente, no momento em que o país ultrapassa a marca de 100 mil mortos pela Covid-19 e conta com quase 13 milhões de desempregados, o MD planeja aumentar seus gastos com caças, lançadores de foguetes e submarinos nucleares somente para adular os militares. Será esse o caminho?

Embora o gasto orçamentário com as Forças Armadas seja um imperativo à soberania nacional, o momento para sua ampliação é incompatível com estrago causado pela pandemia. O belicismo de Bolsonaro, que insiste em esgrimar com moinhos de vento comunistas, perseguir opositores e investir no armamento das Forças Armadas, salta aos olhos quando a realidade nos confronta com o desastre da pandemia.

Enquanto o comandante do exército, Edson Pujol, afirmou em março deste ano que a crise da Covid-19 “talvez seja a missão mais importante de nossa geração”, Bolsonaro não desiste de mirar em falsos inimigos. Afinal, se houvesse um inimigo a enfrentar no Brasil, este seria o novo coronavírus. No entanto, o vírus sequer é um inimigo, pois contra ele não adianta mobilizar nenhum aparato bélico e tampouco tentar celebrar paz.

Infelizmente, o autoritarismo ominoso do ex-capitão é cego e surdo às lições de estratégia que ensinam a identificar o real problema de defesa e segurança nacionais que a Covid-19 impõe. Infelizmente, sua incapacidade em liderar esforços coordenados no combate aos efeitos sócio sanitários e econômicos da pandemia contribui para ceifar vidas e destruir riquezas. Ao fim e ao cabo, cabe perguntar: quem é o inimigo?
*Lier Pires Ferreira é professor do Ibmec e do CP2. Pesquisador do LEPDESP/UERJ

**Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco é professor do IESP-UERJ e da UVA. Coordenador do LEPDESP/UERJ