Jota Marques - Divulgação
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Por Jota Marques*
Neste sistema em que há a subjugação de pessoas em prol de lucros e dividendos, é preciso entender que a fome que atravessa a população brasileira não é casualidade, mas parte de um projeto. O capitalismo não produz apenas lucro. Produz desigualdades. Produz pobreza.

Em grave crise sanitária, as vulnerabilidades são potencializadas. Os que vivem à margem são os mais afetados, com suas feridas históricas ainda abertas. A favela, diante do caos, se movimenta para a própria sobrevivência. A Marginal Coletivo, uma escola de Educação Popular, Comunicação Comunitária e Política, que já formou mais de 300 crianças e adolescentes de favelas, começou, no início da pandemia de Covid-19, na Cidade de Deus, uma ação para atender 48 famílias com o kit: materiais de limpeza, macarrão, salsicha e molho de tomate. Pouco tempo depois, junto a diversos coletivos, levantou-se a Frente CDD, que entrou na luta contra os impactos da Covid-19. Mais de 10 mil famílias foram atendidas com o básico: comida e kits de limpeza.

No trabalho de base, as prestações de contas são partes importantes do processo, que garantem a lisura e a efetividade da ação. Ainda é um incômodo muito grande pensar que nós, sujeitos de favela, ainda estejamos pedindo pelo básico. Ou pior, quando há alguma atenção de quem deveria cuidar de nós, o Estado, é para decidir o que comemos e a quantidade. A exemplo da Prefeitura do Rio de Janeiro.

Na pandemia, já com as aulas da rede municipal suspensas e as escolas fechadas, após meses sem metodologia e nenhuma eficiência, a Prefeitura definiu um cartão-alimentação com o valor de R$ 100, por estudante, para “compensar” a falta da merenda escolar, uma refeição fundamental. Porém, pouco tempo depois, a Prefeitura informou, sem dados quantitativos ou percentuais, que parte dessa renda fora usada para compra de cachaça e cigarro. Assim, diminuiu o valor para cerca de R$ 50. A Prefeitura, que se eximiu da responsabilidade da compra e distribuição da merenda, impõe uma prestação de contas moral.

Diante dessa situação, a Marginal Coletivo iniciou uma nova ação: a distribuição do Quebra-Galho, um cartão com R$100,00, para 3.460 famílias de favela. Um projeto possível com muito trabalho e transparência.

Nós acreditamos na autonomia financeira da população favelada. Buscamos a possibilidade de uma família decidir o que vai comprar, o que vai comer e o que vai pagar. São apenas R$ 100, mas o recado está dado: o básico não é mais o suficiente e precisamos combater o que está colocado para nós. Numa crise de saúde, não deveríamos pedir comida. Para a Prefeitura, fica a pergunta: O que fez com o restante do dinheiro, que não foi entregue aos estudantes?

Quem deve prestar contas (morais, inclusive) de seus atos não são as famílias e, sim a prefeitura de Marcelo Crivella.

*Jota Marques é morador da Cidade de Deus e faz parte dos Coletivos citados