Por Carolyne Albernard* e Daniela Galvão*
A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) inaugurou, em 2003, o sistema de cotas no país, ao reservar no seu vestibular 20% de vagas para alunos egressos da rede pública de ensino e outros 20% para candidatos autodeclarados negros ou indígenas. No ano seguinte, foi a vez da Universidade de Brasília (UnB) realizar vestibular com 20% das vagas reservadas a alunos negros.

Essas primeiras ações afirmativas, posteriormente seguidas por outras universidades brasileiras, fizeram a discussão sobre a legalidade das cotas chegar ao Supremo Tribunal Federal, cujo plenário, em 2012 e por unanimidade, declarou constitucional sua implementação, pois visa superar distorções sociais historicamente consolidadas.

Não por coincidência, no mesmo ano de 2012, foi promulgada a Lei n.º 12.711, determinando que universidades, institutos e centros federais reservassem metade de suas vagas para alunos de escolas públicas, sendo que metade desse contingente também seria reservado a alunos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas.

Hoje, em pleno 2020, recentes noticiários divulgaram a iniciativa de duas grandes empresas que irão promover programas de trainee exclusivos para profissionais negros.

A gigante farmacêutica alemã Bayer selecionará 19 candidatos negros, com nível superior, para trabalharem na empresa, recebendo salário inicial de aproximadamente de 7 mil reais. Na mesma linha, a rede de varejo Magazine Luiza, atualmente composta por 53% de funcionários negros e pardos, dos quais apenas 16% ocupam cargos de liderança, também selecionará profissionais de origem negra para vagas de trainee, oferecendo salário superior a 6 mil reais, juntamente com uma extensa lista de benefícios indiretos.

Para além de louvar a iniciativa dessas grandes empresas, engajadas em ações de combate à desigualdade social através da contratação de negros para cargos de nível superior - o que se espera seja uma tendência cada vez mais frequente na inciativa privada -, o ponto central que não se pode perder de vista é que tudo isso só é possível graças à existência das universidades públicas.

Em outras palavras, de nada adiantarão as cotas nem os programas de contratação direcionada às minorias sociais se permitirmos que as universidades públicas continuem sendo esvaziadas, sucateadas e desmoralizadas, não só pelo corte drástico de verbas, mas, sobretudo, pelos falaciosos discursos de viés ideológico que desqualificam seus alunos e professores.

Sigamos, portanto, louvando e incentivando as ações afirmativas encabeçadas pela iniciativa privada, sem esquecer, porém, que a construção de uma sociedade com mobilidade social, onde os grupos e minorias historicamente relegados aos extratos economicamente menos favorecidos têm oportunidade de receber conhecimento e produzir riqueza, jamais existirá sem um ensino público de qualidade, principalmente o das nossas universidades.
*Carolyne Albernard e Daniela Galvão são advogadas e conselheiras da OABRJ