A Fundação Cultural Palmares, primeira instituição pública voltada para preservação dos valores históricos e sociais da cultura negra na formação da sociedade brasileira, divulgou recentemente em suas redes um vídeo intitulado “O acervo da Palmares: saindo dos anos 70 e finalmente chegando ao século 21” no intuito de explicar os motivos da controversa e perigosa intenção do órgão de descartar parte de seu acervo.
A peça publicitária já incorre numa falha de acessibilidade por não contar com legendas ou libras para os deficientes auditivos. No entanto, isso acaba sendo o menor dos problemas. O discurso do vídeo lança mão de argumentos preconceituosos e sem nenhuma base biblioteconômica para criticar as obras que compõem a biblioteca da fundação.
Ao se referir ao ex-presidente Nilo Peçanha (1867-1924) - primeiro presidente negro do Brasil -, por exemplo, a narradora o chama de “mulato”, palavra de cunho racista historicamente utilizada para se referir a mulas e a burros. Para mais, a retórica da peça faz um resgate de certas figuras “embranquecidas” pela história, mas que, em geral, não tiveram papel importante no ativismo social, como é o caso do próprio Peçanha. Entretanto, é possível entender o motivo da Fundação Cultural Palmares ter baixado tanto o nível ao voltar o olhar para a atual gestão do órgão. Sérgio Camargo e sua trupe fazem valer a máxima do Barão de Itararé: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”.
Desde que assumiu a presidência da fundação, Camargo coleciona polêmicas e ações na Justiça. Em março deste ano, gestores dos principais departamentos da Fundação Cultural Palmares entregaram seus cargos alegando falta de diálogo e insatisfações com o chefe do órgão. O que mais causou estranheza é que essas pessoas haviam sido escolhidas por Camargo por apresentarem perfis mais conservadores.
Passados quatro meses, uma coalização que reunia mais de 200 movimentos negros denunciou Camargo à Organização das Nações Unidas (ONU) por violações de direitos humanos. Na denúncia, constam "ataques ao patrimônio histórico e cultural da população negra e aos direitos humanos, bem como os constantes ataques a jornalistas e ao trabalho de comunicação voltados às denúncias públicas sobre temas relacionados a racismo".
Agosto, por sua vez, foi o mês mais conturbado na Fundação Cultural Palmares. Em apenas 30 dias, Camargo teve ideias tresloucadas, como a intenção de criar um "Museu da Vergonha", constituído por livros expurgados do acervo que ele considera “desviantes”, e o lançamento do edital para substituir o logo da instituição, que atualmente é o machado de Xangô, referência ao Orixá da cultura afro-brasileira. Para fechar o mês, o Ministério Público do Trabalho (MPT) pediu à Justiça o afastamento imediato do presidente da fundação por denúncias de assédio moral.
Nas redes sociais, foram tantas as bobagens que Camargo publicou que, em 15 de setembro, o Instagram desativou sua conta por um dia. Vale ressaltar que foi justamente no âmbito virtual que ele deu as célebres declarações como “o cabelo do negro é carapinha” e “[o movimento negro é a] escória maldita”. Para fechar a sequência de truanices, ele ainda disse que a rede social gosta "da negrada escrava da esquerda".
À revelia de tudo isso, Camargo, talvez, seja apenas um ingênuo oprimido que defende o opressor. No entanto, se não for essa a justificativa para suas atrocidades à frente da Fundação Cultural Palmares, ele acaba sendo a personificação de outra máxima do Barão de Itararé: “O homem que se vende recebe sempre mais do que vale”.
Álamo Chaves, presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia 6ª Região de Minas Gerais e Espírito Santo
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