Economista Raul VellosoDivulgação/Inae
Temer tinha deixado de herança um teto de gastos que ajudou muito na emergência que enfrentou, mas que nascera para sobreviver apenas pouco tempo. Para um orçamento em que a parcela dos incomprimíveis gastos obrigatórios se aproximava de 95% do total, que cresciam, sozinhos, e com amparo legal, no mínimo pela inflação, uma emenda constitucional que estabelecesse que o mesmo gasto total não poderia crescer mais que ela rapidamente viraria letra morta. Ou seja, todo e qualquer ajuste teria de ocorrer na parcela residual (gasto discricionário) que, ali, já alcançara apenas 5%. Moral da história: em pouco tempo estaria zerada, e o governo não investiria mais, nem poderia manter sua máquina funcionando.
Vejam que os mercados financeiros tinham erradamente se convencido de que o teto seria o principal instrumento de contenção fiscal para convencer os detentores de títulos públicos a não deixar de carregá-los em suas carteiras. Naquele contexto, gastar mais virou sinônimo do pior pecado imaginável, e nem mesmo a emergência óbvia decorrente da pandemia mudou isso na cabeça do governo. E agora, quando alguém gritasse: “Pega o ladrão!”, como eles reagiriam? Estamos quase nesse ponto.
Para completar, até hoje o governo não reconheceu a existência da crise como ela de fato é, nem a necessidade de adotar um conjunto de medidas coerentes com a visão apoiada em base científica que ainda predomina no mundo. Além de negacionista, a visão local era de que o problema se resolveria sozinho pela contaminação geral, algo que passou a ser chamado de imunização de rebanho.
Nesse contexto, atrasou-se imensamente o processo de aquisição das vacinas eficazes que foram surgindo, a ponto de hoje o país ter um dos maiores números de mortes decorrentes da pandemia por habitante. Em uma situação dessas, como se sabe, o enfrentamento é muito difícil porque a população, especialmente a parcela mais necessitada, tem de se submeter a um isolamento forçado sem ter como se sustentar minimamente, para evitar uma altíssima contaminação e a decorrente mortalidade.
Paralelamente, o governo colocava todo tipo de dificuldade para sustentar um mínimo de renda para essas pessoas, que, sem isso, teriam de se expor na busca de alguma ocupação e, portanto, remuneração. É só lembrar o ministro da Economia ir à Câmara no início do processo para dizer que o governo resolveria o problema gastando a mixaria de R$ 3 bilhões a 5 bilhões, quando até hoje já se gastaram quase R$ 400 bilhões com o auxílio emergencial. O tema é vasto, continuarei na próxima coluna.
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