Dani Monteiro (PSOL)Divulgação/Alerj

Jefferson, Gabriel, Ângelo, Raoni. Quatro homens, quatro histórias de prisões arbitrárias com base apenas em reconhecimento fotográfico. Há mais. A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj tem recebido e acompanhado pelo menos sete casos de encarceramento que se confirmaram injustos. Além das vítimas, sofrem as famílias, padece o Estado, que, ao não resguardar o devido direito à presunção de inocência, permite que parte dos seus cidadãos agonize sem sequer saber como suas fotografias passaram a integrar o álbum de suspeitos da Polícia Civil.
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Segundo dados levantados recentemente pelo Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais (Condege), o Rio é o epicentro da injustiça causada pelo reconhecimento por foto. Mais que isso, o estudo demonstra veementemente que classe social até pode variar, mas a raça, nunca. Em 80% dos casos, são presos por reconhecimento fotográfico homens negros e sem passagem pelo sistema prisional. Metade desse contingente nunca tinha tido passagem pela polícia, ainda assim, suas fotografias estavam entre os suspeitos. Nesses casos, o tempo médio de prisão, tendo o reconhecimento fotográfico utilizado como único elemento de prova, foi de 277 dias. Mais de nove meses, imagine se fosse com você.

A criminalização, está mais do que demonstrado, não atinge da mesma forma todos os corpos, uma vez que é impossível para o Estado, através das agências do sistema penal, fiscalizar e criminalizar todas as condutas tipificadas, já alertava o juiz argentino Raul Zaffaroni, referência no assunto. Por isso mesmo, o Estado obriga-se a escolher quais condutas efetivamente serão passíveis de criminalização. Seguindo esse viés, não há aleatoriedade nas escolhas do Estado, existe, sim, uma orientação para um política criminal com fundamentos racistas e classicistas.

O projeto de criminalização de corpos negros, como nem mesmo o tempo nos deixa esquecer, iniciou-se ato contínuo à abolição da escravatura, momento em que foram criadas normas penais que destinadas exclusivamente aos negros. Reconheçamos, de uma vez por todas, que o fim da escravidão como modo de exploração de mão de obra não significou o fim do ideal racista. Pelo contrário, é o que estruturou a sociedade brasileira e permanece em pleno funcionamento ainda hoje, tratando de posicionar grupos específicos como responsáveis pela perpetração da violência no país e consolidando estereótipos negativos associados às pessoas pretas, sobretudo à juventude que está nos territórios de favela.
E assim chegamos ao ponto em que a prisão ou a morte desses que são tratados como “inimigos” não despertam sequer empatia de boa parte da sociedade. Trocando em miúdos, para quem ainda não entendeu a gravidade do que está posto, as práticas policiais se mantêm racistas e violentas, ainda que não se fale aqui de individualizada, deliberada e convicta. Mas fato é que o racismo opera por meio das instituições e estrutura o sistema de Segurança Pública.

Discutir o reconhecimento fotográfico exige, portanto, ir à sua raiz e encarar as verdades como elas são na realidade: o sistema de Segurança Pública e de Justiça não é igual para todos, assim como a democracia racial não existe. Resta saber se estamos dispostos a conceder o benefício da dúvida a nós mesmos.

Dani Monteiro é deputada estadual (Psol) e presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj