Opina 11 outubroArte Paulo Márcio

Na última semana, o projeto "Pandora Papers", do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, revelou que o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, possuem offshores em conhecidos paraísos fiscais. A grande mídia meio que deu de ombros, ouviu um ou dois especialistas em tributação e sentenciou que a operação é legal.
Mas nem tudo é tão simples assim. Há duas dimensões que precisam ser analisadas nesse caso – uma jurídica e outra ética. Apesar de, no Brasil, o termo “offshore” ter virado quase que sinônimo de duto de corrupção, de fato, não se trata de algo ilegal. A legislação brasileira permite a qualquer cidadão abrir uma empresa fora do país para gerenciar seus bens e patrimônios.
A exigência é que a existência da empresa e o patrimônio que ela administra sejam declarados tanto à Receita Federal quanto, a depender do valor investido, ao Banco Central. Ao que tudo indica, Guedes e o presidente do BC fizeram essas declarações, não havendo, aparentemente, irregularidades do ponto de vista fiscal.
Entremos agora na esfera ética. Tem sido pouco explorado pela mídia um outro aspecto que é o do conflito de interesses na manutenção dessas contas por aqueles que são justamente os responsáveis por gerir as políticas econômica e cambial do país. Não é preciso ir muito longe para se chegar à conclusão de que ambos tinham acesso a informações privilegiadas em decorrência dos cargos que ocupam e que poderiam ou não usufruir dessas informações em benefício próprio, o que é crime grave, equivalente à corrupção no plano ético. Se isso ocorreu ou não, só será possível saber investigando.
Para ficar em único exemplo, trazido por reportagem da Revista Piauí, Campos Neto e Paulo Guedes aprovaram uma resolução no Conselho Monetário Nacional (CMN), que mudou as regras para a declaração de ativos no exterior. Até então, todo brasileiro que tivesse mais de US$ 100 mil fora do país precisava informar o valor ao BC todos os anos. Com a mudança, esse limite saltou para US$ 1 milhão, o que, segundo especialistas, reduziu a transparência dos investimentos de brasileiros no exterior.
Além disso, o Código de Ética da Administração Pública estabelece, no Parágrafo 1º de seu Artigo 5º, que "é vedado o investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função, inclusive investimentos de renda variável ou em commodities, contratos futuros e moedas para fim especulativo”.
Igualmente, a Lei 12.813, que trata de conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo Federal, veda ao servidor exercer direta ou indiretamente atividade que em razão da sua natureza seja incompatível com as atribuições do cargo ou emprego, considerando-se como tal, inclusive, a atividade desenvolvida em áreas ou matérias correlatas”.
Diante disso tudo, Câmara e Senado já convocaram Guedes e o presidente do BC para prestar esclarecimentos. É o mínimo. Se as offshores de Guedes e do presidente do BC não são ilegais, são, no mínimo, imorais.
Afinal, ao colocarem seu dinheiro no exterior, assumem que, no Brasil, esse patrimônio está em risco, diante de decisões que foram tomadas por eles próprios. Isso gerou até piadas na internet, nas quais foi dito que eles seriam malucos de deixar o dinheiro deles investido num país onde quem manda na Economia é Paulo Guedes. Seria cômico, se não fosse trágico.

Pedro Estevam Serrano é Bacharel, Mestre e Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP com Pós-Doutoramento em Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Ciência Política pelo Institut Catholique de Paris e em Direito Público pela Université Paris Nanterre; Professor de Direito Constitucional e Teoria Geral do Direito na graduação , mestrado e doutorado da PUC/SP, sócio do escritório "Serrano, Hideo e Medeiros Advogados