Economista Raul VellosoDivulgação/Inae

Pela visão que prevalece nos mercados financeiros, acabou acontecendo o que pareceu ser o pior. Ou seja, diante dos novos e expressivos gastos que surgiram ultimamente, conforme falei em minha última coluna, em vez de achar o que cortar para compensá-los, e, a partir daí, preservar o teto, o governo federal teria optado por furá-lo... Essa é a informação que ainda circula na mídia.
Assim, logo vieram as declarações catastrofistas de que a situação fiscal explodiria em consequência, e, diante disso, subiria a inflação e viriam outros problemas...

Na verdade, achar esse espaço em um orçamento tão comprimido como o nosso é tarefa cada vez mais difícil...São dois os principais pontos que faço aqui. Primeiro, o teto já nascera morto lá atrás, e o motivo é simples: impunha-se cortar o gasto federal total pelo mesmo percentual da inflação anual decorrida, sendo que, em 2016, ano de lançamento do teto, por exemplo, a parcela obrigatória e praticamente impossível de cortar do gasto (a não ser por hipóteses de mudanças difíceis de aprovar no Congresso), era de 88,7%.
Para 2021, previu-se mais adiante que estaria em 93,7%. Ou seja, a cada ano que passasse ela se aproximaria mais de 100%, enquanto o pedaço cortável tenderia a zero. No pedaço cortável estão os investimentos em infraestrutura, hoje próximos de nada, algo inacreditável. Nesse sentido, por que esse barulho todo, se há muito se deveria saber que o teto duraria pouco?

Na verdade, em vez de explicar isso, o ministro da Economia continuou batendo na tecla de que o teto estaria garantido, e que os mercados financeiros não precisariam se preocupar com o assunto do jeito como estavam. E o pior é que acaba, a meu ver, ocorrendo muito barulho por nada, porque, além do mais, se os sinais forem bem administrados junto a quem de direito, a verdade é que gastos efetivamente justificáveis podem ser feitos sem nenhum dos impactos nocivos que estão sendo propagados, mesmo furando o tal teto.

Ou seja, o problema não é tanto o tamanho do gasto, mas a sua qualidade. Os gastos públicos devem ter a maior qualidade possível. Isso sim. É só ver exemplos recentes como os gastos gigantescos que os norte-americanos fizeram em 2008, para debelar a crise do sistema imobiliário que estava ameaçando arruinar todo o sistema financeiro do país-líder e de países europeus a ele associados. A base monetária cresceu 1.500% rapidamente, e, pasmem, ao contrário do que se esperava a inflação caiu.

O tema exige uma discussão mais ampla e aprofundada. Aqui, quero apenas dizer que precisamos ser menos dogmáticos e mais coerentes com a nova realidade da percepção mundial, que cresce a cada dia que passa, sobre esse tipo de assunto. Uma coisa é não querer que um determinado governo se beneficie dos efeitos benéficos em termos de votos de certos tipos de gasto público que se façam, mesmo quando se trate de apoiar os mais vulneráveis diante de pandemias como a atual. Esse é um direito que todos temos. Outra é dizer que, mesmo nas condições atuais, qualquer aumento de gasto público a partir de certo nível é incorreto, por razões efetivamente injustificáveis.

Raul Velloso é consultor econômico