opina4maiARTE O DIA

A Grande Rio, vencedora do Carnaval carioca de 2022, trouxe para a rua o Senhor dos Caminhos – Exu, com o enredo "Fala Majeté! Sete Chaves de Exú". Os carnavalescos responsáveis pelo enredo, Leonardo Bora e Gabriel Haddad fizeram história e deram importante contribuição para o combate ao preconceito, trazendo esclarecimentos sobre o tema.
Desconstruir Exu como o mal é libertador. É um marco contra o preconceito e a intolerância religiosa. O conhecimento por meio da cultura, sempre ela, levantou um debate saudável e democrático sobre a diversidade religiosa. Na Câmara Municipal do Rio, o vereador Átila A. Nunes propôs transformar Exu em Patrimônio Imaterial do Rio. Homenagem merecida e avanço para nossa cidade.
Na cultura ioruba não existe nenhuma entidade, divindade, ente, ancestral, ou espírito que se incumba de destruir a obra do Criador. Nem mesmo Exu cumpre esse papel. Exu é um orixá de origem ioruba que compõe o panteão do Candomblé, em sua tradição nagô. Entre suas atribuições místicas estão a comunicação, os caminhos, a procriação, a energia vital e o caos.
Não falo de um caos destruidor, mas o momento da reconstrução. Na matriz africana, Exu tem duas representações míticas. Um deles, é um montículo de barro ao qual os iorubas chamam de xiguidi, ou “vulto”. O outro, é o ogó, um bastão em formato fálico, que representa seu poder sobre o sexo e a procriação.
Na África, antes da colonização, não havia registros de que o tridente fosse um símbolo de Exu. Este elemento lhe é atribuído somente aqui, no Brasil. Importante notar que o mesmo forcado de três dentes, nas mãos do hindu Shiva, do romano Netuno, ou do grego Posseidon, não causam tamanho estardalhaço em torno daqueles deuses. Mas, quando o tridente é visto nas mãos de Exu, só a divindade africana é apontada como “demônio”. Este é um caso clássico de preconceito étnico religioso.
As representações do diabo variaram ao longo da história da humanidade. Até o Século XI, o diabo foi representado com aparência humana e sem nenhum apetrecho similar ao tridente. A formação da imagem do diabo dotado de chifres, rabo e tridente é uma construção gradativa e inicia-se a partir do Século XI. As pestes que assolaram a Europa, a fome e a desarticulação do sistema feudal foram fatores de construção desse mal terrível, assombroso. O diabo ganha, assim, lentamente, uma nova “cara”, novas formas. O diabo fica desumano, ou inumano.
A apropriação da cultura grega por parte do cristianismo, trouxe contribuições à imagem do diabo, como os chifres, o rabo e as patas de bode, presentes no deus Pã. O mesmo ocorre quando o cristianismo avança nos países celtas, ao norte da Europa, absorvendo elementos do deus Cernu.
Na Umbanda existem entidades que também são denominadas de Exu. Contudo estas não são orixás. Trata-se de espíritos que viveram, morreram e que agora têm como missão ajudar os humanos. Pertencem a inúmeras falanges e são descritos como “ajudantes de ordem” dos Orixás.
Exu, na filosofia ioruba, é relatado como um orixá que expressa a essência do humano. Exu, o Bara, é uma potência, uma força, um ímpeto guardado por todos nós. Mas, quem decide o que fazer com a força de Exu é Orí, nossa própria cabeça. Logo, em última instância, somos nós que optamos por atitudes boas ou más; não Exu. Exu é a encruzilhada, o lugar das escolhas. Inspirados nele, que tenhamos sempre escolhas pelo respeito à diversidade, pela tolerância e pela paz.
Márcio de Jagun é babalorixá e coordenador Executivo da Diversidade Religiosa do Município do Rio de Janeiro; professor de cultura, idioma ioruba na UFF; professor de cultura ioruba na UERJ e advogado