Era uma tarde de cansaços e eu disse o incorreto.Não há ninguém que viva sem alguma opacidade.Não digo isso para desculpar a mim mesmo, digo como alguém que olha para si na procura das impurezas.
Era uma tarde de cansaços e eu disse o incorreto.Não há ninguém que viva sem alguma opacidade.Não digo isso para desculpar a mim mesmo, digo como alguém que olha para si na procura das impurezas.
Meu filho tão puro, e eu, naquela tarde, míope de sentimentos, disse a frase "homem não chora".
Como assim?
Só os mortos não choram. Homens choram. E é preciso que chorem para compartilhar sentimentos. E é preciso que busquem colo para descansar do cansaço das dores.
Os mortos não sentem dores. Os vivos, sim. Vivo das dores do passado e dos incômodos dos futuros que nem sei.Vez em quando, em meio a conversas estéreis, reeduco a mim mesmo dizendo do improvável conhecimento do amanhã. Sei dos ontens. E sei que, aos ontens, não devo estar preso. Nem mesmo ao dizer o errado, corrigido depois.
Meu filho cessou o choro com pressa. Eu disse, porque a razão do choro pareceu a mim desnecessária. Erro meu. Não sou eu quem decide o que dói e o que não dói na alma do outro. Nem mesmo do meu filho. O que para mim está resolvido, por já ter vivido, para ele pode ser desconhecido.O seu problema merece o meu respeito.
Era uma tarde de cansaços por decisões que exigiram muito de mim. Eu havia chegado cedo em casa. Minha mulher não estava. E ele veio, com o caderno de desenhos e um choro reclamador de uma cor que faltava para pintar o sonho.Eu dei o abraço e o beijo sem demonstrações de querer sua presença comigo, naquele instante em que o meu pensamento pensava como se fosse um feto morto, sem condições de nascer.
Nasceu ele há tão pouco tempo, meu filho. Eu o amo mais do que tudo. Sei disso. E para aliviar aquela preocupação, eu disse a tal frase desprovida de qualquer verdade, "homem não chora". Talvez para minha filha eu tivesse dito, "não precisa chorar". Não sei. Sei que depois expliquei a ele que eu havia errado e que eu chorava. E o abracei, agora sim, com presença, e chorei. Ele passou as mãozinhas miúdas no meu rosto e disse "não chore, papai". E eu disse que estava chorando de emoção de ter um filho tão especial como ele.E pendurei os meus problemas e sentei com ele no chão para resolvermos a cor que faltava para colorir o desenho dos sonhos.E assim fizemos.
Quando minha mulher chegou com minha filha, estávamos sorrindo dos nossos feitos. Meu filho dizendo que eu pintava mal. Minha filha quis participar da tarefa. Minha mulher sorriu o sorriso da gratidão de estarmos ali vivendo aquelas emoções honestas.
Que problema meu pode ser maior do que o prazer desse brincar, desse estar, desse viver a paternidade nos seus cotidianos mais singelos?
Homens choram, sim. E também as mulheres. Mulheres e homens têm sentimentos. E medos. E sonhos. E humanidade. E direito ao erro. E às tantas correções do existir.
Lembrei do meu pai, quando passava na padaria para nos trazer o pão para o café que encerrava o dia. E que, depois do banho, nos contava histórias. Não havia cansaços que espantassem a sua presença em nós.
Minha mãe deixava os afazeres para sentar conosco. E, não poucas vezes, pedíamos que ele repetisse alguma história contada em dias anteriores. E ele gostava. E depois dormíamos o sonho dos protegidos da atenção. E havia o tio João que, quando vinha, cantava e tocava violão.
Desses passados, não preciso desamarrar. Porque são enfeites da alma, porque são perfumes que preenchem os cheiros em dias ruins. Sempre há dias ruins e sempre há lembranças com poderes aliviadores.
Que os sorrisos sejam honestos e também os choros. Que os sentimentos não precisem ficar guardados com medo de aparecerem. Que sentemos no chão com o prazer de estarmos juntos. E de compreendermos juntos que o chão é a metáfora do sagrado, do que nos ensina o prazer e o dever do caminhar.
Era uma tarde de cansaços e eu descansei lembrando a mim mesmo a escolha correta.
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