Rio - A polícia que vem sendo caçada e assassinada por criminosos nos últimos meses no Rio é a mesma que realiza ações cada vez mais mortais. Dados divulgados na quinta-feira pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) apontam que os homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial quase dobraram em maio, na comparação com igual mês de 2015, passando de 44 para 84 (crescimento de 90,9%). Foram, em média 2,7 mortes por dia nessas situações.
Nem todos os óbitos registrados nessa classificação do ISP foram causados diretamente por policiais. Mas são resultantes das ações ou das reações a elas. No mês de junho, que ainda não teve dados divulgados, as polícias Militar e Civil já fizeram mais de 100 operações para localizar o traficante Nicolas Labre Pereira de Jesus, o Fat Family, resgatado do Souza Aguiar, no dia 19.
Em uma dessas operações, na noite desta quinta-feira, o adolescente Jhonata Dalber Matos Alves, 16 anos, foi morto com um tiro na cabeça durante uma ação policial no Morro do Borel, na Tijuca. Os moradores acusam os PMs de confundirem um pacote de pipoca com drogas e atirarem no jovem.
Na última quarta, no Complexo da Maré, onde o bandido estaria escondido, o ajudante de pedreiro José da Silva foi morto na quarta-feira, vítima de bala perdida. Na quinta, a Justiça determinou a suspensão de buscas domiciliares e cumprimento de mandados de prisão, à noite, na região.
“Podemos perceber uma guerra declarada entre policiais e facções criminosas. Os policiais militares acabam aflorando o medo e a raiva, e provocam ações irracionais e precipitadas. Oitenta e quatro casos de homicídios decorrentes de intervenção policial é muita coisa. Assusta”, comentou o ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente Filho.
Ainda segundo o especialista, é preciso identificar os policiais que mais matam em operações e realocá-los em outra função nos batalhões. “Deveriam dar a eles uma função que fique longe de operações”, afirmou.
O número de policiais civis e militares mortos em serviço também aumentou em maio: cinco, em 2015, e 6, em 2016. O número de homicídios dolosos em geral teve alta de 6,1%: de 347 para 368.
Conhecido como ‘linha dura’, o coronel Paulo César Lopes, disse que o aumento dos autos de resistência é ‘diretamente proporcional ao recrudescimento da criminalidade violenta’. “Esse é o processo natural num estado altamente violento como o Rio”, lembrou Lopes.
A Letalidade Violenta, que inclui homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e homicídio decorrente de oposição à intervenção policial, registrou aumento de 17,7% em relação a maio de 2015, com o número de casos subindo de 401 para 472. Os roubos de rua também cresceram, e houve 9.968 ocorrências no estado em maio. Alta de 42% em relação aos 6.975 casos de igual mês de 2015. Segundo o ISP, a polícia apreendeu 2,4% mais armas no mesmo período.
Para juíza, ações sem planejamento
"É inadmissível que a polícia, em pleno século XXI, não encontre o caminho de enfrentar a criminalidade sem expor (aos riscos) o cidadão de bem.” A afirmação é da juíza Angélica dos Santos Costa no despacho em que determinou, ontem, a suspensão de buscas domiciliares e cumprimento de mandados de prisão no Complexo da Maré. O local vem sendo alvo de diversas ações policiais em busca do traficante Fat Family. Em operação realizada ontem, uma mulher não identificada ficou ferida também por tiro.
A juíza afirma ainda que não há dúvidas de que as ações da polícia são necessárias, principalmente depois do resgate de Fat Family. Entretanto, ela destaca que “os órgãos de segurança pública devem adotar as devidas providências para preservar vidas e o direito de ir e vir das pessoas, buscando através de serviços de inteligência e planejamento minimizar os riscos a uma população tão sofrida e assustada pelos casos de violência.” “A população não pode ficar refém de operações sem planejamento e açodadas”, acrescenta o documento.
A magistrada ainda intimou o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, o comandante do Bope, o comandante do Batalhão de Choque e o comandante geral da PM para prestarem informações. Para a magistrada, é “absurdo” que o Rio, diante da violência dos últimos anos, esteja vivendo momentos de total insegurança, “sem o mínimo retrocesso dos índices de criminalidade”.
Em nota, a Polícia Militar informou que “planeja operações a partir de informações do Setor de Inteligência e de denúncias de cidadãos com o objetivo de apreender armas que ferem e matam cidadãos, e drogas que viciam nossos jovens, além de prender bandidos que cometem crimes cruéis contra a sociedade’.