Rio - A crise financeira estadual tirou 500 policiais militares do patrulhamento diário das ruas da capital desde o final dos Jogos Olímpicos Rio 2016. O número refere-se à quantidade de agentes que integravam o RAS (Regime Adicional de Serviço), programa que foi suspenso pela Polícia Militar por conta da falta de verba do governo do estado. De acordo com informações obtidas no setor de planejamento operacional da corporação, a capital conta com cerca de 2.500 agentes nas ruas, em um turno de 12 horas, e um total de 6 mil no estado no mesmo período de tempo.
Mas a consequência da crise não é somente ter menos policiais nas ruas pela suspensão do RAS, que remunerava agentes para o trabalho voluntário em horas extras. A mobilidade da tropa está comprometida desde que o contrato com a empresa CS Brasil não pôde mais ser renovado, por ordem do Tribunal de Contas do Estado (TCE), em novembro do ano passado.
Desde 2007, a polícia poderia repor em até 48 horas uma viatura que precisasse de reparo. O contrato previa que, caso um carro policial ficasse na oficina, ele seria reposto por um emprestado da empresa. Agora, a situação mudou: comandantes têm que barganhar com donos de oficinas os preços e as datas de entrega dos carros. “A gente fica sem uma viatura por sete dias, até duas semanas. Alguns comerciantes também não querem realizar reparos com receio de retaliações”, afirmou um oficial do 41º BPM (Irajá).
A PM possui 2.600 veículos em sua frota total. Quando o contrato findou, a corporação teve que devolver imediatamente cerca de 600 veículos emprestados. O aporte financeiro para o conserto das viaturas está sendo retirado do próprio fundo da corporação e repassado para a administração das unidades.
Alguns batalhões encontraram outras soluções, como o de Angra dos Reis, onde o Ministério Público de Paraty passou a destinar recursos de transações penais para a reposição de peças dos carros da unidade. O procedimento é uma prerrogativa de promotores que atuam em Juizados Especiais Criminais, que podem pedir penas alternativas para casos de delitos com menor potencial ofensivo — dirigir bêbado ou lesão corporal leve, por exemplo. Os réus podem comprar peças que faltam nas viaturas ou oferecer serviços de reparos em troca do pagamento da multa.
O governo analisa a possibilidade de contratar uma nova empresa de manutenção por licitação. Há um cuidado redobrado por parte da Procuradoria Geral do Estado na abertura da concorrência, pois no primeiro contrato do tipo houve suspeita de superfaturamento. O ex-secretário de Segurança do Rio José Mariano Beltrame é réu nessa ação.
Defeitos nas bombas
Gasolina não falta. No entanto, 27 das 36 bombas de combustível da PM apresentaram defeitos em março, fazendo com que o processo de abastecimento e o controle do mesmo se tornassem manuais e, consequentemente, mais lentos.
Já dos 14 blindados, oito apresentaram problemas durante dois meses, o que fez a corporação procurar ajuda na iniciativa privada e na Marinha. Desde janeiro, o Sindicarga (Sindicato de Empresas de Transporte de Cargas) passou a ser responsável pela manutenção dos blindados que atuam nas áreas dos batalhões da Pavuna e Irajá, por exemplo, unidades que mais sofrem com o roubo de cargas no estado. Três blindados estão em manutenção.
A crise financeira na polícia se reflete nos números do Instituto de Segurança Pública, de acordo com o porta-voz da corporação, major Ivan Blaz. “Estamos perdendo tanto policiais como recursos materiais. Com a mobilidade comprometida, a prevenção de delitos também sofre e uma janela para a criminalidade é aberta. Com o crime, temos que muitas vezes partir para o enfrentamento”, disse. Em fevereiro, os números da criminalidade bateram recordes históricos, como roubos de carros, autos de resistência e homicídios.
O DIA procurou o comandante-geral da PM, coronel Wolney Dias, a respeito das dificuldades financeiras da corporação. “Mesmo diante de um quadro difícil, estamos otimizando recursos para manter nossa operacionalidade, sem perder o foco no cidadão e na segurança do nosso policial”, respondeu, em nota.
'Falta ânimo’, diz líder de associação de policiais
O presidente da Associação de Cabos e Soldados da PM, Vanderlei Ribeiro, afirmou que não há motivação da classe perante o caos da crise financeira. “Não é só o RAS que não tem. É a falta de um calendário de pagamento, são as gratificações suspensas, viaturas quebradas, viatura sem combustível... Falta ânimo para ir trabalhar”, disse.
Segundo Ribeiro, com a crise, outro problema é a procura do chamado “bico”, o que prejudica o trabalho dos agentes. “O policial já enfrenta horas duras de trabalho e não sabe quando vai receber. Fora esse horário, ele tem que procurar fazer horas extras em segurança, tornando sua carga horária mais excessiva e se colocando em risco”, opinou.
Ainda de acordo com o dirigente, esta semana servidores vão se unir para fazer um abaixo-assinado pedindo a saída do governador Luiz Fernando Pezão e ajuda financeira do governo federal.