Rio - A estudante Vanessa dos Santos, de 11 anos, que teve a vida retirada por um disparo que entrou em sua casa e a atingiu na cabeça, na Favela Camarista Méier, no Complexo do Lins, nesta terça-feira, tinha boas notas na Escola Municipal José de Macedo Soares, onde cursava o quinto ano. Horas antes de ser baleada, ela ensaiou no colégio com os amigos para a festa julina que participaria no próximo sábado. Antes de ir embora, se despediu na porta da unidade da inspetora, que está em choque com a morte da criança.
"Ela e outros alunos estavam ensaiando para a quadrilha da festa julina. Ela se despediu, como de costume. A inspetora está muito abalada, falou com ela antes da tragédia. Era uma criança muito educada, colaboradora, de uma família muito presente aqui na escola. A gente lamenta muito, era muito jovem, ir embora por conta da violência", disse Carlos Antônio de Matos, diretor da escola onde Vanessa estudava.
Uma professora que pediu para não se identificar disse que os tiros começaram ontem às 15h na porta da escola quando ainda havia crianças estudando. "Às 15h, já tinha confronto na porta Gama Filho (escola). Eu estava com 5 crianças. O caveirão (blindado da PM) chegou atirando perto da escola. As crianças correram desesperadas e eu fiquei tentando segurá-las. Eles (policiais) não podem entrar no horário de aula. Claro que existem bandidos, mas há pessoas de bem também", contou a professora.
Segundo o diretor da escola de Vanessa, a violência é um obstáculo muito grande no aprendizado dos alunos, que estudam em turno único, de 7h30 às 14h30. Os educadores fazem o máximo para reduzir os danos causados.
"Não costumamos fechar por conta da violência, porém a frequência é muito baixa. Claro que eles chegam agitados, a professora sabe que é um dia que a disciplina é mais difícil, por eles estão preocupados com os familiares. É difícil uma criança que tenha na realidade uma vida complicada no sentido de violência constante ao seu entorno aprender com facilidade. A gente tenta aqui acarinhar, acolher, conversar, mas a gente sabe que é difícil", analisou.
Na entrada do Complexo do Lins, sinais dos protestos ainda são evidentes, onde um carro está totalmente queimado. O policiamento está reforçado na comunidade com policiais do Batalhão de Choque da PM.
Familiares da criança estão nesta manhã no Instituto Médico Legal (IML) para liberar o corpo de Vanessa. Segundo Leandro Monteiro de Matos, pai da criança, por volta das 9h30 era realizado o serviço de necrópsia e a liberação estava prevista para ocorrer até o fim da manhã. Ainda não há informações sobre onde será o enterro e em qual horário.
Clima de revolta
No hospital onde a menina chegou a ser socorrida, o clima era de revolta e tristeza entre os familiares. Ao saber da morte de Vanessa, a mãe e a tia da criança passaram mal e precisaram ser amparadas em cadeiras de roda. A avó da criança, Maria Socorro dos Santos, comentou o ocorrido.
"Ela tinha voltado da escola e estava em casa. A madrinha pediu que ela saísse da porta, por conta do tiroteio. Foi o momento em que ela foi baleada, caiu e foi socorrida pela madrinha. Ela estava respirando até chegar aqui no hospital. Ela era uma boa menina, só ia para escola, gostava de estudar. Há cinco anos, o tio dela também morreu baleado na cabeça, do mesmo jeito", contou, entre lágrimas.
O irmão de Vanessa, Ygor dos Santos, disse que a familia está indignada. "Ninguém tinha ouvido falar de operação, a polícia chegou atirando. E eu vi minha irmã caindo no chão na hora", disse.
"Minha filha estava botando o chinelo para sair e foi morta. Não tem bandido na minha casa. A comunidade é um lugar tranquilo. Não era para ter acontecido isso", contou a mãe de Vanessa, Adriana Maria dos Santos.
Secretario vai à escola
O secretário municipal de Educação, Cesar Benjamin, está reunido na manhã desta quarta-feira com cerca de 70 pessoas, entre professores, diretores e funcionários de unidades educacionais do Complexo do Lins, que estão fechadas. Além da José Eduardo de Macedo Soares, está fechada a Escola Municipal Gama Filho, duas creches e um Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI), totalizando 1.736 alunos sem atendimento.
"Temos uma missão e neste momento vamos fazer de tudo para continuar. Estamos fazendo o possível pra combater a violência, ouvindo os problemas dos professores dessa região. Não podemos demonizar a polícia, porém está claro que a maneira de ação dela não vale a pena. Colocar uma menina na linha de tiro é inadmissível. O modo da atuação da PM está errado e isso precisa mudar. Nenhuma morte pode ser aceita e de modo algum uma operação da polícia pode ser feita de maneira que coloque a vida de um inocente em risco", disse o secretário.
Reportagem de Adriano Araujo e do estagiário Rafael Nascimento