Rio - Os desafios para a formação educacional de surdos no Brasil, tema da redação do Enem, são tantos que não cabem em uma folha de papel. Os obstáculos não se limitam aos enfrentados nos ensinos fundamental e médio. Invadem o espaço universitário também. Exemplo disso é o caso do estudante Bernardo Lucas Piñon de Manfredi, 20 anos. Portador de surdez e disgrafia (transtorno motor), o jovem foi um dos 77 estudantes que teve nota máxima na redação do Enem 2016. Passou para Filosofia, na PUC, e História, na UFRJ. Entretanto, as faculdades não estavam preparadas para recebê-lo e, sem o suporte necessário, ele abandonou os estudos.
"Não havia estrutura pedagógica", lamentou a mãe do jovem, Carmen Terezinha Piñon. Manfredi, que tem surdez neuro sensorial profunda bilateral, fez o Enem de novo neste ano, mas teve dificuldades para realizar a prova. "Por causa da disgrafia, ele precisava de um transcritor para preencher o cartão e redigir a redação. Apareceu um, quando faltava meia hora para o término da prova e só foi possível fazer a transcrição de cerca de 50% do que o meu filho escreveu", reclamou Carmen.
Ontem, o ministro da Educação, Mendonça Filho, disse que o MEC vai apoiar a formação de professores para educação de surdos. "Já recebi alunos no Ensino Médio que não sabiam diferença entre número par e ímpar. Alguma coisa está errada!", declarou o professor Rafael Dias Silva, que se dedica ao projeto Libras na Ciência, ensinando deficientes auditivos por meio da linguagem de sinais.
Para a psicóloga Ana Carolina Praça, diretora da Consultoria de Inclusão Escolar, a formação de pessoas com deficiência no Brasil é, de fato, um desafio. "Não basta colocar a criança numa sala para incluir, é preciso que haja um projeto político-pedagógico e um currículo escolar apropriado, com profissionais capacitados e materiais adaptados. E a escola é só o primeiro desafio, depois vem uma vida toda de luta constante", afirmou.
Exame teve novo recurso de vídeo
No Enem deste ano, os 2.992 surdos que fizeram o exame contaram com um novo recurso: a prova em videolibras. Nessa modalidade, um vídeo apresentou aos alunos as questões traduzidas para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
"Só pelo fato de o Inep disponibilizar aplicação nova, que contemple a língua dos surdos, é formidável", contou o professor Rafael Dias Silva.
A estudante Stephanie dos Santos, 24 anos, que é surda e já havia feito a prova do Enem em 2015 e 2016, também gostou da novidade. Neste ano, ela optou por fazer o exame em videolibras. "Me senti melhor, e entendi melhor as questões", afirmou. Ela, que estuda no pré-vestibular do Instituto Nacional de Educação para Surdos (Ines), elogiou a abordagem do tema da surdez.
"Gostei da ideia, principalmente porque os ouvintes precisam conhecer melhor a comunidade dos surdos e ter menos preconceito. Nós não ouvimos, mas enxergamos, e temos capacidade de lutar e desenvolver qualquer talento. Não temos culpa de ser surdos, e eu me orgulho de ser". Stephanie vai usar a nota da prova para se inscrever em vestibulares para Administração e Design de Moda.
Segundo dados do IBGE, o Brasil conta com uma população de mais 10 milhões de deficientes auditivos.