Rio - 'Os resultados são pífios" nos cinco primeiros meses da intervenção federal na Segurança, completados nesta segunda-feira. A afirmação está em relatório divulgado pelo Observatório da Intervenção, grupo de estudiosos criado para monitorar as Forças Armadas no Rio. O estudo apontou que as chacinas aumentaram 80% e as mortes nesses assassinatos coletivos subiram 128% em comparação com o mesmo período do ano passado. Apesar dos milhares de militares e policiais empregados nas operações, a quantidade de armas de grosso calibre apreendidas caiu 36,5%.
Segundo o balanço, as chacinas — tiroteios que terminaram com três mortos ou mais — somaram 28 episódios com 119 mortes. Nos cinco meses correspondentes de 2017, ocorreram 15 casos com 52 vidas perdidas. Os tiroteios e disparos aumentaram 37% (de 2.294 para 4.005). As operações, com até 5 mil homens, apreenderam 92 fuzis, metralhadoras e submetralhadoras, contra 145 em igual intervalo do ano passado.
Dez crianças baleadas
Dez crianças foram baleadas na Região Metropolitana nesses cinco meses. Duas delas morreram. Os dados são da ONG Fogo Cruzado. Nas estatísticas está Benjamin, de 1 ano, morto durante tiroteio em 16 de março, na favela Nova Brasília, no Alemão. Três semanas antes, o menino Marlon, de 10 anos, perdeu a vida em um tiroteio no Morro do Cantagalo.
"Até agora, a presença das Forças Armadas não resultou na percepção de que a segurança do Rio melhorou depois da intervenção", avaliou o Observatório, iniciativa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes.
A última ação, entre a noite de domingo e a tarde de ontem, nas favelas do Salgueiro e Jardim Catarina, em São Gonçalo, envolveu 4.300 militares, 120 PMs e 80 policiais civis. Um revólver, uma pistola, uma carabina e um fuzil foram apreendidos. A ação teve sete barricadas removidas, quatro carros e uma moto recuperados, seis presos, um menor apreendido, além de munição, drogas recolhidos. Um pescador diz que foi baleado quando estava no carro com a família.
Para Silvia Ramos, coordenadora do Observatório, o cenário poderia mudar com inteligência, combate à corrupção e menos ações 'faraônicas': "Fazendo investigação dentro das corporações e entregando aquilo que eles prometeram tanto, que é a reestruturação das polícias e o isolamento dos segmentos comprometidos com a corrupção."
Outro especialista concorda. "A intervenção não tem informações da inteligência para saber onde estão as armas, drogas e munição. É muito grave", disse José Ricardo Bandeira, do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina. O Gabinete de Intervenção Federal não comentou os dados.
Balanço aponta violações de direitos nas favelas
O Observatório afirma que houve aumento de violações de direitos à medida que as operações se multiplicam. O relatório cita uma suposta agressão, gravada por moradores na Cidade de Deus, na noite de 29 de junho. "O Comando Militar do Leste prometeu abrir sindicância, mas nenhum resultado foi divulgado", acusa o grupo. Lembra ainda outro caso. "No dia 11 de julho, uma página de rede social da CDD publicou as fotos de um morador surrado por policiais do Bope. Os agentes haviam ocupado a laje da sua casa. Quando o morador pediu que saíssem, reagiram com pauladas. Há relatos de arrombamentos na comunidade". O CML não quis comentar esses casos.
O monitoramento observou aumento de lacunas de dados sobre as operações, como efetivo e prisões. Nos cinco meses de intervenção, foram realizadas 280 operações, das quais 94 conjuntas, com 260 armas apreendidas e 69 pessoas mortas. O correspondente a 40% do R$ 1,2 bilhão disponibilizado pelo governo federal está sendo empregado para logística, tecnologia e inteligência, informou o gabinete da intervenção.
Pescador conta que seu carro foi metralhado por soldados
Uma família diz ter sido atacada por militares durante a operação das Forças Armadas, na madrugada desta segunda, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Na ação, o pescador Ruan de Souza, de 23 anos, foi baleado. Já o filho dele, de 2 anos, e a esposa foram atingidos por estilhaços. As informações são do jornal O Fluminense.
De acordo com a publicação, o pescador relatou que dirigia um carro em que carregava material de trabalho, auxiliado pela esposa, que estava com o filho do casal. Os homens das Forças Armadas, segundo a vítima, surgiram no caminho e, sem qualquer abordagem, fizeram mais de 30 disparos, apesar de gritar alegando ser morador da comunidade. E que só pararam após ouvir o choro do filho de 2 anos.
O homem foi levado para o Hospital Estadual Alberto Torres (Heat), medicado e liberado. Procurada, a Polícia Civil informou que quem responderia pela ocorrência seria o Comando Militar do Leste.
Em nota, o Comando Conjunto disse que recebeu a informação da imprensa, na tarde de ontem, e vai "investigar o registro de ocorrência envolvendo militares que realizavam operação na área do Complexo do Salgueiro e Jardim Catarina, iniciada na noite de 15 de julho (domingo)".
"A narrativa da ocorrência atribui a procedimentos de militares do Comando Conjunto a causa de ferimentos infligidos a cidadão que transitava pela área abrangida pela operação. Seguindo procedimento constante das diretrizes do Interventor Federal, foi determinada a instauração imediata de Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar e esclarecer as circunstâncias relatadas no registro da ocorrência", diz o texto.
Em 11 de novembro do ano passado, oito homens foram mortos no Complexo do Salgueiro durante operação da Polícia Civil com militares das Forças Armadas.