Imagem de merenda da rede municipal de Mesquita está no relatório da CPI que apontou os problemas
 - Reprodução/CPI da Merenda
Imagem de merenda da rede municipal de Mesquita está no relatório da CPI que apontou os problemas Reprodução/CPI da Merenda
Por CÁSSIO BRUNO

Rio - No retorno às aulas do segundo semestre, pais e filhos têm de volta a dura realidade das escolas públicas: merenda de má qualidade ou a falta dela. Levantamento inédito realizado pelo DIA, junto ao Ministério Público, revela a existência de pelo menos 74 inquéritos abertos atualmente que investigam irregularidades no fornecimento de alimentos a crianças e jovens da rede municipal em 33 cidades do estado nos últimos sete anos.

Em paralelo ao trabalho dos promotores, o Tribunal de Contas de Estado (TCE-RJ) fez auditorias em unidades educacionais e identificou problemas com a merenda em escolas de 17 municípios só no ano passado (alguns deles também são alvos do MP). A partir deste domingo, O DIA publicará uma série de quatro reportagens sobre o tema.

Na mira das investigações, há de tudo: superfaturamento na compra de mercadorias por empresas contratadas pelas prefeituras; desvio de dinheiro repassado pelo governo federal; furto de comida por servidores; falta de infraestrutura para armazenar produtos e de transparência na prestação de contas; fiscalização deficiente; alimentos com prazo de validade vencido; e cozinhas precárias.

Sobrepreço em 30 produtos

Em Mesquita, na Baixada Fluminense, o MP instaurou inquérito com base em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), concluída no fim do ano passado. Em 537 páginas, o relatório apontou que o prefeito Jorge Miranda (PSDB) contratou, sem licitação, a Alimentação Global Service Ltda por R$ 7,5 milhões durante seis meses. No entanto, segundo a CPI, havia um acordo ainda vigente com outra empresa para prestar o mesmo serviço. Integrantes da CPI também visitaram as 40 escolas municipais e encontraram comidas de má qualidade. Ao todo, a rede possui 13.190 estudantes.

Aluna do 7º ano da Escola Municipal Doutor Deoclécio Dias Machado Filho, Maria Luíza Silva, de 12 anos, confirma. Segundo ela, o cardápio, na maioria da vezes, tem apenas ovo, macarrão com cenoura e angu com carne moída. Frutas, sucos ou salada são artigos de luxo e desapareceram da despensa.

"Almoço em casa e levo um biscoito porque a escola não oferece mais lanche", reclama a jovem. Com salário de R$ 1.560 de atendente, a mãe da menina, Maísa Souza da Silva, de 42 anos, lamenta a situação: "A minha filha é uma excelente aluna, mas deve ficar reprovada porque está sem motivação."

Preso na última sexta-feira por associação a traficantes, o prefeito de Japeri, Carlos Moraes (PP), fez três contratos com DN Grill Produtos Alimentícios LTDA, com sede no município, de quase R$ 8 milhões. Em um deles, de R$ 2,2 milhões, sem licitação, os auditores do TCE-RJ encontraram indícios de sobrepreço em 30 mercadorias.

A farinha de aveia foi adquirida pelo preço 186,9% maior. No biscoito de maisena, a prefeitura pagou 67,5% mais caro. No feijão carioca, o acréscimo chegou a 76,2%. O sal, por sua vez, registrou alta de 53%.

O DIA foi aos dois endereços da DN Grill disponíveis no contrato com a prefeitura de Japeri e na Receita Federal. Um dos imóveis (na Rua Ivan de Azevedo 4, em Engenheiro Pedreira) estava fechado em pleno horário comercial; no outro (na Rua Francisco Antônio Russo, lote 16, no mesmo bairro), o minimercado tinha as prateleiras vazias e não havia sido inaugurado.

Um dos sócios da DN Grill é Daniel Rodrigues das Neves. Nas eleições para prefeito, em 2016, ele e a família pediram votos para Carlos Moraes.

PF: Grupo desviou R$ 20 milhões
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Em outubro, a Polícia Federal foi às ruas, na Operação Inópia, e cumpriu 21 mandados de prisão temporária contra suspeitos de cometer irregularidades no fornecimento de quentinhas e de merenda escolar para escolas na Baixada.
Os policiais prenderam 18 empresários investigados em um esquema de formação de cartel de empresas. Segundo a PF, o grupo desviou mais de R$ 20 milhões dos cofres públicos.
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A ação da Polícia Federal foi em parceria com a Controladoria-Geral da União (CGU), a Receita Federal e o Ministério Público Federal. A Operação Inópia é desdobramento da Lava-Jato que apura desvio de recursos destinado à merenda em municípios do estado.
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Prefeituras negam irregularidades
Em nota, a prefeitura de Mesquita informa que, após contrato emergencial, a Global Service venceu uma licitação em outubro do ano passado. E negou servir merenda de má qualidade: "Cumpre ressaltar que os alunos do município recebem duas refeições para o horário parcial e quatro para o integral, uma oferta a mais do que recomenda o Ministério da Educação."
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A prefeitura de Japeri informou que, até o fim do processo no TCE-RJ, não vai comentar. Daniel Rodrigues Neves, sócio da DN Grill, nega irregularidades. Informou que terceiriza a compra de alimentos para a merenda. Sobre os imóveis fechados, diz que houve mudança de local e, em breve, o minimercado funcionará na Rua Francisco Antônio Russo.
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