MAPA RACISMO - ARTE O DIA
MAPA RACISMOARTE O DIA
Por Yuri Eiras
Rio - O racismo está nas ruas, escolas e escritórios, mas ainda pouco onde deveria estar: nos registros de ocorrência das delegacias. Um importante passo foi dado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) nesta quinta-feira, no lançamento de um estudo inédito sobre crimes de racismo e injúria racial no estado do Rio. Apesar da subnotificação, já que nem toda vítima presta queixa, o 'Dossiê Crimes Raciais' apontou dados alarmantes: em média, 70 pessoas por mês foram vítimas de racismo no Rio em 2019. A Zona Oeste é a região campeã de denúncias.
O trabalho indicou que 844 pessoas sofreram discriminação por motivação racial no ano passado; mais de 90% delas eram negras. "Em 2019, mais duas pessoas por dia, em média, foram vítimas de racismo no estado do Rio. A maioria não conhecia seu agressor e foi alvo em via pública. Significa que a agressão ocorreu pura e simplesmente pela cor", explicou Marcela Ortiz, diretora-presidente do Instituto de Segurança Pública (ISP).

O dossiê analisou mais de 3 mil registros de ocorrência das delegacias de polícia do estado, lavrados entre 2018 e 2019. As ocorrências são divididas em 'injúria por preconceito', 'injúria real' e 'preconceito de raça e de cor'. Um policial civil da equipe do ISP ficou responsável pela filtragem dos dados, com a coleta, inclusive, das palavras e termos mais comuns usados nos crimes.
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"Separamos termos, palavras pejorativas, que indicavam que a vítima havia sofrido ataques racistas. Os termos mais comuns foram 'macaca', 'macaco', 'neguinha', o que demonstra que maior parte dos alvos eram mulheres, cerca de 58%, e a maioria eram pessoas entre 40 anos e 59 anos. E esses tipos de ataques foram proferidos em ambientes públicos. Assim, a gente consegue ter ideia de quem é essa vítima, como o alvo age, e começar a agir. E esse número é muito maior, porque nem todos, infelizmente, denunciam", afirmou Thiago Falheiros, analista do documento. O dossiê apontou ainda a dificuldade da autoidentificação racial. Em muitas ocorrências, a motivação racial era explícita, mas a própria vítima não se considerava negra.
O dossiê usou relatos verdadeiros para ilustrar a chaga do racismo cotidiano. Em um deles, o registro de ocorrência conta que "as vítimas e as testemunhas estavam no banheiro do hostel. Enquanto a vítima tomava banho, foi surpreendida por um funcionário do estabelecimento que proferiu as seguintes palavras: 'está tomando banho pra quê? Não vai descer sujeira mesmo...você é preto!'".
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Barra e Recreio lideram denúncias de racismo

O Dossiê Racismo apontou que as delegacias localizadas na Zona Oeste foram as que mais receberam denúncias de racismo em 2019. Foram 36 vítimas no Recreio dos Bandeirantes, 30 na Barra da Tijuca, 23 na Taquara e outras 20 vítimas em Campo Grande. A região da Lapa, no Centro, também se destacou negativamente, com 18 denúncias.
A capital liderou o número de casos de discriminação racial: foram 422 vítimas em 2019, e 427 em 2018. Em segundo lugar, o interior do Rio, com 255 vítimas, seguido pela Grande Niterói (67) e Baixada Fluminense (100). A cidade do Rio tem população negra estimada em 3 milhões, de acordo com o censo do IBGE de 2010. Em todo o estado, são 8,2 milhões de negros, metade da população.
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Injúria x racismo
Fruto de décadas de luta do movimento negro e de intensos debates na redemocratização, o crime de racismo é tipificado em lei desde 1989 no Brasil e possui maior gravidade do que o de injúria. A injúria preconceituosa é uma ofensa dirigida a um indivíduo a partir de características raciais; já o racismo tem como objetivo a inferiorização de todo o grupo. 
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"O racismo não é algo que se restringe ao ambiente de trabalho. É algo estrutural, de fato. É importante que a gente consiga números, a fim de mostrar à população que o racismo acontece dessa forma", afirmou Jonas Pacheco, pesquisador do ISP.