Exclusivo Traficantes do Morro do Urubu cobram taxas de moradores e expulsam quem não pagar
Criminosos cobram dinheiro, cortam água, expulsam moradores e exigem que suas roupas sejam lavadas. Série do Jornal O DIA mostra como traficantes adotam práticas de milicianos para lucrar mais, a chamada narcomilícia
Rio -- Em abril de 2010, as chuvas deixaram 251 mortos no Rio. No Morro do Urubu, em Pilares, local de risco de deslizamentos, a Prefeitura passou a demolir casas com a promessa de entrega de apartamentos novos. Em 2016, após a tragédia, a conquista da casa própria: 140 apartamentos do programa Minha Casa Minha Vida foram entregues a moradores de baixa renda do local. Este ano, em plena pandemia, o final feliz, no entanto, virou pesadelo: traficantes passaram a cobrar taxas dos residentes do Minha Casa e Minha Vida, a checarem os celulares, e até obrigá-los a cozinhar e lavar suas roupas.
A tática de traficantes se assemelha a de milicianos e vem se consolidando como o novo modelo do crime organizado no Rio: a narcomilícia, tema da série de reportagens do O DIA.
Publicidade
No Morro do Urubu, alguns moradores, desesperados, tentaram alugar os apartamentos. Mas, foram proibidos de escolher os inquilinos. Além disso, não podem deixar a casa vazia nem por um final de semana, senão são expulsos. Uma pichação lembra a regra. "Quem alugar a casa sem falar com nós vai perde a casa, p/ não morre o papo é 1 só (sic)". De acordo com uma ex-moradora, que foi expulsa, a pichação pode ser encontrada em várias favelas que têm o domínio do grupo de traficantes, espalhadas pela Zona Norte.
Publicidade
À reportagem, ela relatou como foi expulsa, em junho. "Larguei tudo que eu tinha. Casa bem equipada, tive que deixar para trás por ordem do tráfico. Tive que sair com a roupa do corpo, não pude nem entrar para pegar as minhas coisas todas. Saí com uma bolsa e documentos. Eles deram cinco minutos para descer o morro".
A balconista, de 35 anos, morava com sua filha, de 9 anos, no conjunto habitacional Itália D'Incau, desde outubro 2016. Ao ficar três semanas fora por conta de uma viagem, perdeu seu imóvel. Ao retornar com a criança encontrou um cadeado na porta de casa.
Publicidade
"Estava com a minha filha quando fui expulsa e lembro dela chorando, me perguntando 'mamãe, vamos para onde?'. Eles alegam que se você sai, você não pode voltar. (...) Fui morar de favor na casa dos outros, largando o que eu construí e conquistei", disse.
Antes da expulsão, a realidade já tinha mudado com a cobrança de taxas, boca de fumo dentro do condomínio e bailes. Até fevereiro, os moradores do conjunto habitacional pagavam R$ 100 para manutenção do prédio e pagamento de funcionários. Agora, o valor passou para R$ 110 e o dinheiro é destinado somente para os traficantes.
Publicidade
"Eles dividem em R$ 10 para associação de moradores e R$ 100 para a mão deles para que eles possam patrocinar os bailes que acontecem dentro do condomínio. Eles também montaram boca de fumo dentro do condomínio", explicou.
A vítima conta que, agora, sofre de depressão. "É uma sensação de impotência, uma dor muito grande. Você olha tudo aquilo que você sonhou, você planejou cada pedaço, cada metro quadrado, a forma como ia arrumar a casa, e tudo que comprei não pude pegar".
Publicidade
Tropa do Urso: Traficante Pedro Bala é quem manda realizar as cobranças
Ainda de acordo com os relatos da ex-moradora, os traficantes que aterrorizam o conjunto habitacional afirmam ser da Tropa do Urso, em referência ao traficante Pedro Paulo Guedes, o Pedro Bala ou Urso, que é apontado pela polícia como o chefe do tráfico de drogas da Vila Cruzeiro e de parte do Complexo do Alemão.
Publicidade
João Trajano, especialista em segurança pública, acredita que, embora traficantes estejam aderindo práticas criminosas da milícia, a estrutura organizacional e e logística dos paramilitares ainda é mais sofisticada e organizada. "O tráfico de drogas atua comercializando drogas no varejo e, em algumas áreas, estende essa atividade a outras. (...) As milícias não, elas diversificam mais suas atividades, e tem mais agentes do Estado envolvidos", opinou.
Publicidade
Investigação
O caso foi denunciado pela vítima e está sendo investigado pela 44ª DP (Inhaúma). Em nota, a Polícia Civil informou que há um inquérito em andamento que apura os crimes de organização criminosa, tráfico de drogas e porte de arma de fogo de uso restrito, no conjunto habitacional. Ainda segundo a corporação, os agentes da distrital têm realizado diligências para ajudar a esclarecer os fatos e identificar os suspeitos. O delegado não quis dar entrevistas.
Publicidade
A Polícia Militar informou que a denúncia dos moradores, repassadas à corporação por O DIA foram encaminhadas ao comando do 3º BPM (Méier) para apreciação e tomada das medidas cabíveis. A corporação ainda orientou que a população formalize as denúncias nas delegacias ou através do Disque-Denúncia. Além disso, a PM disse que policiais do 3º BPM (Méier) fazem policiamento ostensivo na região, realizando abordagens e prisões em flagrante. Procurada, a Polícia Federal não se manifestou.