Sandra Wagner Cardoso alerta que a conscientização da população é fundamental na luta contra a doença - Divulgação
Sandra Wagner Cardoso alerta que a conscientização da população é fundamental na luta contra a doençaDivulgação
Por Fernando Faria
Em um ano do pesadelo da covid-19, o pessoal da área de saúde trabalhou demais, se expôs e lutou como nunca para salvar vidas. A Medicina conquistou avanços decisivos na luta contra a doença, ainda muito recente e desconhecida. A Ciência também mostra enorme força e as vacinas se apresentam muito promissoras. Médica infectologista e pesquisadora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), Sandra Wagner Cardoso alerta que a conscientização e a mobilização da população, os cuidados de cada um e as vacinas são fundamentais para que possamos vencer o novo coronavírus. Ela adverte que as sequelas deixadas são relatadas, muitas vezes por pacientes jovens que tiveram sintomas leves. Há casos de depressão e ansiedade, mas ainda não é possível estabelecer o que a doença pode causar a longo prazo. E isso, certamente, será um dos tantos desafios que a Medicina terá pela frente nos próximos anos.
A covid-19 está completando um ano. O que se sabe até agora sobre a doença?
Sabemos que é multifacetada, que pode ser transmitida através das gotículas respiratórias liberadas pela fala, tosse e espirros, especialmente quando estamos a menos de dois metros da pessoa doente. As mãos, em contato com esses elementos nas superfícies que tocamos, são importantes via de transmissão. Apesar de comprometer em maior ou menor grau os pulmões, outros órgãos podem ser afetados, como coração, aparelho circulatório, rins, sistema nervoso e mesmo a pele. Pessoas com sintomas da infecção têm maior chance de transmitir para outras nas fases iniciais da doença (dentro da primeira semana), quando os níveis de eliminação do vírus são maiores. Hoje sabemos que mesmo pessoas sem sintomas podem transmitir a covid. Portanto, as recomendações de distanciamento social e uso de máscaras permanecem, mesmo para aqueles que já tiveram a doença.
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A Medicina conseguiu avanços significativos no tratamento?
Existem algumas propostas de tratamento de casos mais graves, a maioria ainda em fase experimental. Como no tratamento de qualquer doença, as decisões cabem ao paciente e ao seu médico. Devido aos efeitos inflamatórios hiperativos observados em casos mais graves, alguns agentes que modulam a resposta de defesa estão sendo explorados como tratamentos. Incluem produtos derivados do sangue humano e as chamadas terapias imunomoduladoras. Hoje sabemos lidar melhor com a doença e controlar alguns de seus sintomas, minimizando o risco de morte. Nenhum tratamento definitivo foi ainda padronizado para garantir a cura rápida ou evitar evoluções mais graves. É provável que no futuro tenhamos diferentes opções de tratamento para diferentes perfis da doença. A ciência tem batalhado na identificação de inúmeras propostas de tratamento, é importante destacarmos isso.
A covid é mais perigosa para idosos e pessoas portadoras de comorbidades...
As formas graves da doença ocorrem desproporcionalmente entre pessoas acima de 60 anos e entre portadores de comorbidades como diabetes, câncer, hipertensão, asma e obesidade, mesmo que mais jovens. A doença em caso grave afeta diferentes sistemas de nosso organismo e, apesar das pessoas mais velhas e com comorbidades terem maior risco, não temos como prever quem exatamente evoluirá de modo mais crítico.
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Há explicação para o fato de algumas pessoas sentirem mais os efeitos da doença do que outras?
A maioria das pessoas apresenta sintomas leves. A evolução varia desde infecção sem qualquer sintoma até dificuldade de respirar com risco de vida. Geralmente os sintomas surgem cerca de quatro a cinco dias após a exposição. Os mais comuns são febre, cansaço e tosse seca. A pessoa pode também perceber que não sente cheiro ou gosto. A falta de ar afeta de 20 a 30 pessoas em cada 100, geralmente surgindo cinco a oito dias após o início dos sintomas. Apesar do caso grave e fatal da doença poder ocorrer em qualquer pessoa, o risco aumenta dramaticamente com a idade e a presença de doenças crônicas (cardiovasculares, pulmonares, renais, câncer e diabetes mellitus).
De que forma podemos avaliar as pessoas assintomáticas? Significaria uma resistência à covid?
A falta de sintomas não significa resistência. As doenças virais geralmente evoluem de modo mais ou menos sintomático, conforme a quantidade de agente infeccioso, a reação do sistema de defesa, o ambiente e os fatores genéticos do hospedeiro, que, no caso de uma doença nova como a covid-19, ainda são mal compreendidos.
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Há possibilidade de que a covid atinja mais uma determinada família por uma pré-disposição genética, por exemplo?
Esse é um tópico no qual existe também muito interesse da Ciência. Há uma publicação da revista cientifica 'The New England Journal of Medicine' que traz um estudo associando o risco de covid grave com grupo sanguíneo, que é geneticamente determinado, mas isso precisa ser confirmado e mais estudos são necessários para permitir a identificação de fatores genéticos potenciais para definir que características estão associadas à forma clinica mais grave.
O verão pode ser um fator ainda maior de risco para a disseminação, já que praias e bares devem lotar e o uso de máscaras fica desconfortável por causa do calor?
Embora ambientes abertos sejam tidos como menos arriscados, de fato o que temos observado é que nas praias lotadas as pessoas não mantêm distanciamento mínimo de dois metros, se reúnem em grupos sem máscaras e conversam umas com as outras de perto por períodos prolongados, podendo, portanto, facilitar a transmissão da doença. A mesma coisa ocorre em bares, onde as pessoas tiram as máscaras para comer, beber e conversar. O uso coletivo de alimentos, como quando diferentes pessoas manipulam a comida e a bebida, também oferece risco. Onde há aglomeração há risco.
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É possível dimensionar em quanto tempo a Medicina poderá conhecer as sequelas da covid?
Além das importantes sequelas sociais e econômicas, sintomas persistentes estão sendo relatados entre sobreviventes da covid-19, incluindo indivíduos que inicialmente apresentaram uma doença leve. Esses sintomas persistentes representarão novos desafios para a saúde pública. Embora os pacientes mais velhos possam ter um risco aumentado de doença grave, sobreviventes jovens, incluindo aqueles em boa forma física antes da infecção, também relatam sintomas meses após a doença aguda. As informações sobre sequelas tardias são ainda limitadas e incluem, por exemplo, depressão, ansiedade e mudanças de humor. Estudos de vários anos serão cruciais para elucidar sequelas de longo prazo.
As vacinas estão em vias de produção e, no Brasil, há quem resista à imunização. Isso pode ser muito prejudicial no combate à covid?
O movimento antivacina é uma ameaça global. Infelizmente, não só para uma doença nova como a covid, mas também para antigas e controladas em diversos lugares, como o sarampo, que mata ou deixa sequelas graves. As mídias sociais podem ter papel importante tanto a favor da divulgação da Ciência quanto na contramão, se informações falsas forem divulgadas. Certamente, o crescente movimento antivacina pode prejudicar. O Brasil tem um dos programas mais abrangentes para vacinação pública. Acredito que aqui prevalecerá a tradição de que vacinas são fundamentais.
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Há um percentual mínimo de imunização da população para que a vacina possa apresentar os resultados necessários?
Uma vacina pode proteger completamente uma pessoa da doença ou minimizá-la, tornando-a mais branda. As agências sanitárias em geral recomendam estimativa de eficácia de pelo menos 50% para garantir que uma vacina para a covid seja implantada. Obviamente, quanto mais eficaz, maior o sucesso da vacinação em massa. Independentemente disso, a cobertura vacinal, ou seja, o número de pessoas vacinadas na população, é mais importante do que o percentual de eficácia. Não adianta termos uma vacina 100% eficaz e vacinarmos só 10% da população. Isso seria como andar em círculos. Para atingirmos o número necessário de vacinados para controlar a doença, levaremos algum tempo.
A partir de uma possível imunização em massa, há prazo para a população se sentir segura?
Considerando o que discutimos no tópico anterior, a capacidade de produção, distribuição das vacinas, eficácia e cobertura vacinal e as previsões dos 'experts', talvez seja possível chegarmos em 40% de cobertura até o início do segundo semestre de 2021.
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Podemos esperar um 2021 melhor ou o alívio só virá a partir de 2022?
É uma previsão difícil. Quando pensamos que teríamos uma estabilização dos casos e o retorno paulatino às atividades, passamos a observar um maior descaso das pessoas com os cuidados e o aumento das aglomerações. Por conta disso, estamos enfrentando um aumento progressivo de casos, com escassez de vagas nos hospitais. Até que possamos ter um percentual significativo da população vacinada precisamos manter a vigilância. É preciso ainda investir nas estratégias de conscientização da população e isso tem que partir das lideranças e das nossas estruturas de controle sanitário.