Hospital Souza Aguiar, no Centro, é um dos mais procurados da rede municipal de Saúde
Hospital Souza Aguiar, no Centro, é um dos mais procurados da rede municipal de SaúdeAgência Brasil
Por MARTHA IMENES
Pacientes e parentes de pessoas internadas no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro do Rio, denunciaram ao jornal O DIA que cirurgias de emergência não estão sendo realizadas na unidade por falta de anestesista e de materiais básicos e insumos ortopédicos, como placas, pinos, hastes, entre outros. E vão além: os internados ficam sem remédios, água e comida. Parentes reclamam ainda que não há separação de pessoas com suspeita de contaminação por coronavírus dos demais pacientes da sala verde. A Secretaria Municipal de Saúde nega as denúncias.
Relatos, fotos e vídeos enviados à reportagem mostram o cenário desolador na unidade hospitalar. Um dos casos é o de João Carlos Guimarães, de 58 anos, morador de São Cristóvão. Na terça-feira passada, quando voltava do trabalho na Associação Aliança dos Cegos, no Riachuelo, João Carlos sofreu acidente de moto. Socorrido e levado para o Souza Aguiar, foi constatada uma fratura de fêmur, além de outros ferimentos decorrentes da queda. Colocado na sala verde da unidade ele esperou por 2 dias até que uma solução fosse apresentada.
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E aqui começa a triste saga de quem depende da saúde pública, ainda mais em tempo de pandemia de coronavírus, que já matou no Estado do Rio 37.218 pessoas e contaminou outras 653.204, segundo levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) nesta sexta-feira.
Internados na sala verde, João Carlos e outros pacientes contam, em vídeo, que ficam sem beber água e comer, que faltam remédios, roupa de cama e afirmam que as condições de higiene são precárias. Sem poder levantar para fazer as necessidades fisiológicas, relatos dão conta de pessoas que ficaram deitadas sobre o lençol sujo.
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"Não deixam ficar acompanhante pra cuidar da gente", lamenta João Carlos. "Eu trouxe o lençol porque aqui não tem. Quando suja, peço para entrar rápido e troco", afirma Carla Cristina, mulher de João. Ela é uma das pessoas da família que se reveza e "dá plantão" no pátio do hospital para cuidar do marido e não ficar sem informações.
Após a denúncia feita com exclusividade pelo jornal O DIA nas suas plataformas digitais, e com a repercussão do caso, a mulher de João foi "convidada" a se retirar pela direção do HSA. Questionada se seria retaliação, a Secretaria de Saúde novamente negou. E informou que por conta da covid, todas as visitas hospitalares estão suspensas.
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Galões presos nas pernas
João Carlos foi levado ao centro cirúrgico do HSA por volta das 15h de quinta-feira. Lá, surgiram dois problemas: falta de anestesista e de material. A cunhada Adriane Carvalho, de 54 anos, conta que uma medida paliativa seria realizada.
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"O médico comprou material com dinheiro do próprio bolso", denuncia. No caso da falta do material, segundo ortopedistas, o recomendável é fazer uma tração temporária, que consiste na amarração de pesos no membro fraturado.
Três horas após a intervenção, a mulher de João recebeu a confirmação. "Me deram uma declaração de que colocaram a tração e não fizeram a cirurgia do fêmur", diz. Outros dois pacientes fizeram o mesmo procedimento. Os três estão em macas da sala verde com galões de água amarrados nas pernas. Parentes temem contaminação e infecções na sala não estéril por conta das incisões. 
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Mototaxista aguarda há 13 dias por amputação
Ao lado de João Carlos no Hospital Souza Aguiar está o mototaxista Mário dos Santos Esteves Júnior, de 24 anos, morador da Gamboa. Ele conta, e mostra o antes e o depois do atendimento no HSA, que sua moto caiu e ele tentou segurar. Nisso, teve o dedo do pé quase decepado. No hospital foi constatada a necessidade de cirurgia.
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"Quando a moto caiu no meu pé, o dedo ficou pendurado. Corri pra cá no dia 23 (de março) e no dia seguinte de noite fui operado. Os médicos tentaram recuperar meu dedo, colocaram um ferro (haste) e costuraram", explica.
Menos de 24h após a alta médica, Mário estranhou a cor do dedo e buscou atendimento na Clínica da Família. Lá foi orientado a voltar para o hospital imediatamente. "Meu dedo rejeitou o material colocado", lamenta Mário, que espera por amputação do dedo há 13 dias. "Por causa da demora posso perder o pé", teme e pede ajuda: "Estamos largados aqui".
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'Reclama com o Eduardo Paes'
Marco Antônio dos Santos, é mais um paciente do Souza Aguiar que está internado na sala verde. "Dei entrada no dia 29 de março com fratura no dedo e esperei 6h pelo atendimento, logo depois me colocaram nessa sala, que seria pra 20 pessoas mas tem 50! Quando falei que estava cheio demais os enfermeiros disseram que era pra reclamar com o (prefeito) Eduardo Paes", conta Marco Antônio, que acrescenta que os funcionários dizem não estar mais aguentando. "Eles descontam nos pacientes", opina.
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"Um hospital que era referência para todos nós que precisamos do SUS agora é só aparência. Só sabe como é aqui dentro quem entra! É choro todo dia porque os enfermeiros não estão nem aí pra você. Se pedir uma máscara eles dizem que não tem e daqui a pouco dão para um e pra outro, mas você que pediu fica sem. As pessoas que não têm condição de se alimentar ficam ali olhando pra comida porque os enfermeiros não dão", denuncia Marco Antônio. "Dos hospitais públicos que já passei, o único que não gostei foi esse aqui. Até os médicos tratam mal e não ligam pros pacientes", finaliza.
Secretaria diz que denúncias não procedem
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"A direção do Hospital Municipal Souza Aguiar esclarece que a informação da compra de insumos cirúrgicos por médico da unidade não procede", afirma. E informa que na quinta foram realizadas internações e cirurgias, e que nesta sexta estariam agendadas cinco cirurgias ortopédicas de baixa e média complexidade. Sobre a falta de medicamentos, a pasta  informou que "não há falta de medicamentos, quando necessário, são feitas substituições de medicações, mas sem prejuízo à assistência". 
Em nova nota, a secretaria diz que "é preciso deixar claro que não há falta de comida ou água. Os pacientes recebem alimentação de acordo com a dieta determinada para cada caso. A higiene dos pacientes é realizada toda vez que necessário. Os pacientes que não podem se locomover recebem fraldas".

E continua: "Por se tratar de uma grande emergência, referência em diversas especialidades, os pacientes internados na Sala Verde podem aguardar um tempo maior para serem transferidos para um leito de enfermaria. Sobre os casos de tração trans-esquelética apresentados no vídeo, é preciso informar que este é um procedimento provisório que tem o objetivo de não deixar que o membro seja encurtado. Dessa forma, o resultado da cirurgia ortopédica definitiva não será prejudicado. Conforme já informado a unidade também atende a casos de trauma graves, e casos menos graves podem aguardar por mais tempo para a realização de cirurgias". 
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Os vídeos a que se refere a nota foram enviados por pacientes e familiares, o que foi informado à SMS antes da publicação da matéria. Confira o vídeo produzido pela equipe de O DIA com os relatos dos pacientes na sala verde do Hospital Souza Aguiar.
Sobre o "convite" feito à mulher do paciente para que se retirasse, respondeu a SMS: "Por conta do enfrentamento a pandemia da covid-19, temporariamente, todas as visitas hospitalares estão suspensas. A medida visa a proteção dos familiares e dos pacientes internados. A filha do Sr. João Carlos foi recebida pela equipe médica da unidade e pode ter acesso aos objetos pessoais do paciente. A equipe Núcleo de Apoio aos Familiares vai receber a filha do paciente na próxima segunda-feira (05/04). É importante informar que os familiares cadastram um contato telefônico que recebe diariamente as informações sobre o quadro de saúde dos pacientes internados em unidades da rede municipal de saúde".
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Método foi criado em 1873
Estudo publicado na Revista Brasileira de Ortopedia (RBO) aponta que o tratamento com o método de tração vertical, criado em 1873, somente "é realizado quando o estado geral do paciente não permite cirurgia, ou quando não se dispõe do material necessário para o procedimento operatório apropriado".
No caso de João, o apropriado seria a colocação de material de síntese (pinos, placas, parafusos, próteses, fios, hastes, etc), que são usados em procedimentos ortopédicos. "A tração, como a realizada no paciente, é uma forma de minimizar as sequelas da fratura. A utilizamos de forma a manter o alinhamento ósseo até que a intervenção para colocar a síntese necessária seja realizada", explica um ortopedista que pediu para não ser identificado após analisar as fotos dos pacientes no HSA.