Por Nuno Vasconcellos
O que será dito a seguir pode parecer cruel, mas talvez seja a conclusão mais óbvia a ser tirada depois do confronto entre policiais e traficantes na comunidade do Jacarezinho. A verdade é que, diante do que se tornou uma rotina no Rio de Janeiro, as 25 vidas que se perderam na quinta-feira passada logo serão esquecidas e se verão reduzidas a dados estatísticos de uma tragédia que ainda está longe do fim.
O fato dessa ter sido a mais letal de todas as operações policiais já realizadas no Rio não a torna diferente de outras realizadas antes dela. Nada seria diferente se, no final do tiroteio, apenas uma vítima fatal fosse contabilizada. A história também não seria outra se o número de perdas fosse ainda maior. O que se viu depois dessa tragédia, assim como das que a antecederam, foi a repetição de queixas, acusações e argumentos que, assim como as famílias que choram a perda de seus entes queridos se tornaram rotineiros no Rio.
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Antes que se apontasse o número definitivo de mortos já se falava em uso excessivo de força por parte da Polícia Civil. Caso as apurações realmente confirmem as denúncias de invasões a moradias e de execução de pessoas já rendidas, a punição aos responsáveis, mais do que uma necessidade, é uma imposição da cidadania. Situações como essas são inaceitáveis. Colocar toda a culpa na Polícia, porém, é a saída mais fácil, que em nada ajuda a resolver a situação.
Tão inaceitável quanto os eventuais excessos da polícia é ver os representantes do Estado sendo recebidos a tiros toda vez que põem os pés numa área dominada pelo crime organizado. Pior ainda quando os tiros saem de armas pesadas, que não deveriam estar em mãos de bandidos. Mais inaceitável ainda é ouvir suspeitas de que alguém de dentro do aparato estatal deixou vazar informações sobre a operação — o que deu aos criminosos tempo suficiente para preparar sua reação.

ALICIAMENTO DE MENORES — As imagens de bandidos armados com fuzis fugindo pelos tetos das casas do Jacarezinho expuseram o poder de fogo do crime. Também mostraram as dificuldades que a polícia teve para levar a cabo a operação, que tinha o objetivo declarado de combater o aliciamento de menores pelo tráfico e, também, de encontrar os responsáveis pelos assaltos que vêm acontecendo em trens da SuperVia. E deixam claro que novos confrontos podem acontecer a qualquer momento.
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A agir contra o crime organizado é uma obrigação do Estado — e a bandidagem jamais entregará de mão beijada o poder que amealhou durante anos e anos de omissão das autoridades. Em meio às discussões sobre as responsabilidades em torno desse confronto interminável, os interesses da parte mais vulnerável da tragédia são sempre postos em segundo plano.
Estamos diante de uma guerra e ela só chegará ao fim no momento em que os cidadãos que vivem nas comunidades tiverem moradias dignas e condições de urbanização que não transformem as vielas estreitas entre as residências em trincheiras para os bandidos. Além disso, ao invés de serem aliciados pelo crime, os jovens moradores desses aglomerados precisam ser atraídos pela escola e por um programa de Educação profissionalizante que lhes proporcione um futuro mais promissor do que são capazes de enxergar atualmente.
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É preciso, além disso, que seja implantado um programa amplo de geração de empregos de qualidade para essa população que, infelizmente, vê no crime organizado uma alternativa de sobrevivência. Essa é a realidade e a solução não virá sem dores. Mas enquanto o problema não for atacado de frente, dentro de um planejamento destinado a devolver ao Rio a esperança que vem diminuindo a cada tiroteio, a cidade continuará sendo um palco de mortes, debates inconclusivos e indignação. O Rio merece mais!