Operação na favela do Jacarezinho, em maio, deixou 27 mortosReginaldo Pimenta / Agencia O Dia

Rio - Há décadas, a população do Rio acorda com a certeza de que, ao longo do dia, alguém será vítima da violência urbana. A chaga fluminense não deu trégua nem mesmo durante a pandemia. O documento 'A Vida Resiste: além dos dados da violência', divulgado nesta quinta-feira (22) pela Rede de Observatórios da Segurança, aponta que 856 pessoas morreram durante ações policiais no estado, nos últimos dois anos. A lógica vitima todos os lados: o relatório registrou 130 homicídios contra agentes policiais de junho de 2019 a maio de 2021.
Entre os estados monitorados pela Rede, o Rio de Janeiro foi o que mais registrou operações policiais nos últimos dois anos. Foram 2.067 incursões, mais do que Pernambuco (1.989), São Paulo (1.350), Ceará (774) e Bahia (536). Nem mesmo a Covid-19, ou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de restringir a realização de ações policiais nas comunidades do Rio durante a pandemia, atenuaram o quadro: o número de operações policiais cresceu quase 34% de janeiro a maio de 2021, em relação ao mesmo período do ano passado. 
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Para Sílvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança, a lógica de apenas reprimir, e não prevenir, precisa ser repensada nas delegacias e batalhões. "As polícias continuam fazendo operações em grande proporção e com alta letalidade. Nem epidemia, nem o STF fizeram com que a polícia fluminense recuasse no seu modo de agir", afirma a cientista social. "A segurança pública é formada pela prevenção, inteligência e repressão. No Rio, é exclusivamente repressão. E repressão armada, com confronto", analisa.
A violência diária também vitima os agentes policiais. O documento indica que nos últimos dois anos, 222 agentes foram feridos, agredidos ou sofreram tentativa de homicídio; 130 foram mortos, dentro e fora do horário de serviço.
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"Tivemos uma expansão da presença de fuzis no estado. Anos atrás, não acompanhávamos o uso de fuzis ostensivamente em Campos dos Goytacazes, Angra dos Reis, mesmo na Baixada. A polícia age, e quando se retira os grupos criminosos encomendam mais armas, mais munição. Estamos em um ciclo vicioso há muito anos", avalia Sílvia, que alerta para um número expressivo: em dois anos, 92 casos de chacina - quando há mais de três mortes em um mesmo episódio - foram registradas; 64 tiveram como motivação operações. "Acho que a polícia vai ter que mudar. Os moradores pobres não aguentam mais. Casos como Kathlen, João Pedro, ou Jacaré, vão enchendo um pote que uma hora transborda".
A tentativa de dar mais transparência às operações, como o uso de câmeras em viaturas e fardas dos policiais, é vista com bons olhos pela especialista. "Eu acho que esse debate é muito saudável para as polícias do mundo inteiro. elas estão procurando a melhor forma de fazer uma polícia cidadã, que se proteja e proteja os moradores. No Rio, esse debate é muito bem-vindo. Se você acha que seu trabalho está certo, por que esconder?", pontua Silvia.
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O que dizem as polícias
Em nota, a Polícia Militar afirmou "apreendeu no primeiro semestre deste ano mais de 3.600 armas de fogo. No mesmo período, também foram realizadas por nossas equipes mais de 18.000 prisões e mais de 2.000 apreensões de adolescentes. De acordo com os índices compilados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), no primeiro semestre deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado, houve queda de 9.3% nos crimes de homicídio doloso, refletindo o menor índice no Estado do Rio de Janeiro em 30 anos. Os crimes violentos, que tiveram uma redução de 8% no mesmo período, apresentaram a menor incidência em 22 anos".

A corporação disse também que "a redução dos índices de criminalidade segue sendo uma das prioridades do comando. Mesmo num cenário complexo, construído há décadas pela disputa violenta por território entre organizações criminosas rivais representadas por facções de traficantes e milicianos, as ações da corporação têm contribuído de forma significativa para redução expressiva e contínua dos indicadores criminais mais impactantes".
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A Polícia Civil afirmou que suas ações "são pautadas nos pilares de Inteligência, Investigação e Ação e têm alcançado redução em índices registrados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), que são os melhores desde o início da série histórica. As ações priorizam sempre a preservação de vidas, tanto de policiais quanto dos cidadãos".