Crianças foram vistas pela última vez em uma feira do bairro Areia BrancaReprodução

Rio -- No início de setembro, a informação da existência de um áudio em que dois traficantes do morro do Castelar, em Belford Roxo, confessavam a morte de Lucas Matheus, 8 anos; Alexandre da Silva, 10; e Fernando Henrique, 11; chegou ao conhecimento dos chefes do Comando Vermelho e abalou a versão até então sustentada pela facção: a de que nunca matariam uma criança, e que os autores das mortes teriam sido milicianos. As crianças desapareceram no final de dezembro, do ano passado.
No áudio, que está em posse da polícia, um traficante assiste a uma reportagem na televisão sobre o caso e comenta com outro: "estão me acusando de torturar os meninos (risos), e você não quis nem bater", de acordo com fontes que ouviram a gravação. A identidade dos criminosos, no entanto, fora mantida em sigilo pela polícia.
A informação foi passada para Wilson Quintanilha, o Abelha, chefe do tráfico do CV, que está ao lado de Edgar Andrade, o Doca, também traficante, no Complexo da Penha. Abelha, que tinha acabado de sair da prisão, mesmo com um mandado de prisão ativo, é integrante do chamado Conselho do CV (grupo que dita as diretrizes da facção) e determinou, ainda no início de setembro, que os traficantes do Castelar fossem até a Penha para uma reunião.
Entre os cerca de 20 traficantes que se deslocaram até o local estavam Wiler Castro da Silva, o Stala, gerente do tráfico; e José Carlos dos Prazeres, o Piranha, então chefe do tráfico no Castelar. Na Penha, eles foram indagados a respeito da morte das crianças. Ambos negaram. Stala, no entanto, confessou que havia roubado R$ 60 mil do caixa do tráfico. Doca, então, o matou a tiros e mandou que seu corpo fosse queimado. Através de sua defesa, Doca confirmou o assassinato e disse que ele ocorreu por conta da dívida, conforme O DIA havia noticiado na época. Ele, inclusive, teria passado uma mensagem, através de aplicativo, para a esposa de Stala, afirmando que a dívida tinha sido o motivo.
De acordo com a polícia, essa foi uma estratégia de Doca para não relacionar a morte dos meninos à facção. Doca e Abelha, ainda naquele encontro, teriam determinado a morte de outros traficantes que não compareceram ao chamado da reunião. Informações passadas à polícia dão conta de que pelo menos 10 criminosos teriam sido mortos, entre eles, dois gerentes conhecidos como Mumu da Palmeirinha e Farol. 
Traficante Piranha: chefe do Castelar foi morto na Penha - reprodução
Segundo informações obtidas pelo DIA, nessa reunião, Piranha, amarrado a uma árvore, apresentou a versão de que os meninos teriam pego um passarinho de canto, de um homem que possui um depósito de água e gás, localizado próximo ao Castelar, mas que é localizado na área da milícia. Ainda na sua versão, as crianças teriam sido raptadas por um tio desse homem, que seria miliciano, e levadas até Itaipuaçu, em Maricá, onde teriam sido mortas. Após essa versão, Doca decidiu manter Piranha vivo, mas assumiu a chefia do tráfico no Castelar. Piranha agradeceu e disse que, como prova de sua inocência, não iria fugir da Penha.
A reportagem esteve no depósito de gás citado pelo traficante, em Belford Roxo, e constatou que a versão apresentada não era condizente. Além da existência de câmeras pela rua, o depósito fica localizado entre o Castelar e a Palmeirinha, sendo área do tráfico. Inclusive, no dia 7 de agosto, às 11h, traficantes trocaram tiros com agentes da DHBF (Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense) em frente ao estabelecimento, conforme boletim de ocorrência. E foi justamente na esquina desse depósito que um ônibus foi queimado pelo tráfico para fazer pressão na polícia, no mês de janeiro. A queima do veículo foi interpretada pela polícia como uma forma de tentar tirar o foco do tráfico que, em tese, estaria procurando por justiça pelo desaparecimento das crianças.
Mesmo com a falta de materialidade da denúncia apresentada por Piranha, a facção autorizou que traficantes fossem entrevistados pela imprensa para contar a versão da milícia. Mas, mesmo com a pressão realizada, a Polícia Civil não recuou e continuou a afirmar que a investigação apontava o tráfico como responsável pelas mortes dos meninos. Enquanto isso, Abelha e Doca continuaram à procura dos traficantes que não haviam se apresentado na reunião.
Traficante VT teria participado de execução de crianças, segundo comparsa - Reproduçao
Traficante VT teria participado de execução de crianças, segundo comparsaReproduçao
Na quinta-feira passada, a traficante Ana Paula Rosa Martins, a Tia Paula do Castelar, foi levada para a Penha. Torturada, ela afirmou que Stala matou as crianças após elas terem pego um passarinho do seu tio. E, que além dele, participou do crime Vitor Hugo Santos Goulart, o VT -- um dos criminosos que não compareceu à reunião de setembro. Uma outra mulher, de nome Cláudia, também corroborou com a versão de Tia Paula. A traficante teria sido morta por ter omitido a informação. VT ainda não foi encontrado pela facção.
Antes de morrer, Tia Paula contou aos chefes do CV que, no dia da morte dos meninos, Stala estava sob efeito de cocaína que fora usada em um baile funk. E, após saber do sumiço do pássaro do tio, ele determinou o que chamou de "corretivo" nas crianças. Um dos meninos não resistiu às agressões e morreu. Nesse momento, ainda segundo Tia Paula, Stala determinou, ao lado de VT, que as outras duas crianças fossem mortas. A decisão teria sido tomada sem o consentimento de Piranha. 
Ainda de acordo com a traficante, somente uma das crianças teria pego o passarinho. No entanto, ela foi encontrada ao lado das outras duas, enquanto voltava da feira do Castelar. Por conta disso, todas foram raptadas.
Com as novas informações, Abelha e Doca confrontaram novamente Piranha, que sustentou não saber de nada. Segundo testemunhas, no sábado, Piranha entrou em luta corporal com Doca ao ser desarmado e foi morto. A informação da sua morte foi confirmada pelo Disque-Denúncia.
Após a confirmação da morte de Piranha, a facção enviou uma manifestação à reportagem, que também foi recebida pela polícia e teve sua veracidade confirmada. Um trecho dela, diz: "O traficante Piranha foi executado por ordem do chefe do Comando vermelho Abelha, não por ter sido culpado pela morte das criancinhas, e sim por ter sido negligente nos fatos que envolveram o caso das mortes das criancinhas. Abelha não se conformava com a naturalidade que Piranha lidava com o assunto que expôs a facção na morte de três criancinhas" (sic).
Em outra parte, a declaração reconhece a morte das crianças no Castelar: "(...) em uma última conversa que Abelha teve com Piranha, ele deu diversos tapas em Piranha e, em voz alta, disse que se tivesse o mínimo de indícios que as crianças teriam morrido no Castelar, que iria cobrá-lo".
 Os corpos dos meninos ainda são procurados pela polícia, em um rio próximo ao Castelar.