Líderes religiosos comemoram lei que institui Dia Nacional do CandombléArquivo/Agência O Dia

Rio - Lideranças religiosas do candomblé acreditam que a criação do Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, a ser comemorado anualmente no dia 21 de março, foi uma vitória importante e expressiva para a comunidade, que é alvo constante de ataques por intolerância religiosa no Brasil. A data foi aprovada após decreto sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na quinta-feira(5).
O candomblé é uma das religiões de matriz africana cultuadas no Brasil. Proibida e discriminada por séculos, com seus praticantes tendo sofrido prisões e perseguições rotineiramente, a religião fez uso do sincretismo como forma de legitimação, associando os Orixás aos santos católicos. No Rio de Janeiro, diversos ataques foram registrados no último ano. Um desses casos ocorreu em outubro, quando câmeras de segurança flagraram um ataque contra o terreiro de umbanda Tenda Estrela Dalva, em Realengo, na Zona Oeste. Na ocasião, o local foi invadido e vandalizado por um homem.
"O reconhecimento assegurado por lei é uma ação afirmativa importante e necessária, em um país que ainda possui grupos que relutam contra a laicidade do Estado e contra a diversidade presente em nossa sociedade", afirma Márcio de Jagun, coordenador executivo da Diversidade Religiosa do município do Rio de Janeiro.
O Babalorixá Gilmar Hughes de Oya, líder de uma comunidade religiosa em São Gonçalo, recebeu com otimismo a criação da data e relembrou os últimos anos para a comunidade. Segundo ele, este será um novo tempo onde o candomblé será visto e reconhecido. "Vivemos os últimos quatro anos com medo das investidas das religiões neopentecostais e seus aliados do poder paralelo, e hoje temos a sensibilidade de um governante que reconhece o trabalho sócio cultural e assistencial que os terreiros fazem a tempos onde o governo em todas as suas esferas não conseguem chegar. Vivemos tempos de medo, ostracismo , depredamento. Hoje temos a chance de sermos vistos e assim podermos juntos construir políticas públicas que fomentem as ações afirmativas que são construídas nos espaços de terreiro. É o momento de fazer valer as leis que nos contemplam e acrescer as existentes para o nosso povo", diz o líder religioso.
A presidente do Coletivo é Axé em Luta, Ariane Magalhães, disse ter recebido a notícia sobre a lei que cria o Dia Nacional das Tradições de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, com alento e muita esperança. "Era justamente esse tipo de iniciativa que esperávamos dessa gestão. Admito que estou surpresa com a celeridade. Isso nos dá uma injeção de ânimo e muita força para continuarmos nessa luta em combate à intolerância e racismo religioso. Ter a ministra Margareth Menezes como nossa representante reforça nosso desejo e sentimento de que nada sobre nós, será feito sem nós", disse ao Dia.
Emocionada, ela relembrou do ato de intolerância religiosa ocorrido durante o aniversário do município de Itaboraí, na Região Metropolitana do Rio, em maio do ano passado. Na ocasião, o pastor Felippe Valadão proferiu durante um show gospel ofensas, em tom de ameaças, a adeptos das religiões e aos terreiros. 
Durante a apresentação, Valadão ameaçou acabar com os terreiros de umbanda do município e "converter" os dirigentes dos centros espíritas da região. "De ontem para hoje tinha quatro despachos aqui na frente do palco. Avisa aí para esses endemoniados de Itaboraí que o tempo da bagunça espiritual acabou. A igreja está na rua! A igreja está de pé!", disse. O discurso de ódio foi transmitido pelo portal oficial da prefeitura. O prefeito da cidade, Marcelo Delaroli (PL), também estava no palco, acompanhado de outras autoridades locais.
A 71ª DP (Itaboraí) abriu um inquérito para apurar o caso. Oito meses depois do ataque religioso, o pastor realizou a compra da única casa de show em atividade no município.
"É preciso lembrar do que passamos em nossa cidade. Que nós, povos de Matriz Africana, fomos violentados em nosso município através de um show que foi pago com dinheiro público. Que movemos uma ação em desfavor desse pastor, e que num ato de total escárnio, oito meses depois, esse senhor ainda trará uma igreja. Nossa esperança no novo Governo Lula é sobre esperança e inclusão. Só nos resta lutar e esperançar", desabafou.