Rio - O ex-policial militar Élcio de Queiroz, preso por envolvimento na morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, disse, durante a primeira audiência de instrução e julgamento do ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, nesta terça-feira (10), que colaborou com as investigações pelo fato dela estar sendo conduzida pela Polícia Federal. Ele afirmou que não confia na Polícia Civil do Rio.
Em depoimento, Queiroz afirmou que Ronnie Lessa, condenado por ser o responsável pelos homicídios, relatou tentativas de extorsão por parte da polícia. "Cada vez que assumia um delegado na Delegacia de Homicídios (DH), me chamavam para oitiva em tom de acusação", acrescentou.
Élcio mencionou que além de Lessa, o ex-PM Adriano da Nóbrega, morto em 2020 em uma ação policial na Bahia, também sofria tentativa de extorsão.
"Só três por cento dos homicídios da DH são esclarecidos. Como vou confiar na polícia? Ronnie Lessa e Capitão Adriano foram extorquidos. A PF me passou confiança. Não tenho medo. Pelo contrário", afirmou ao responder à defesa de Maxwell sobre o motivo que o levou a delatar.
A defesa de Élcio, que o acompanhou, acrescentou que todo o processo de colaboração foi feito com amparo de seus advogados. O ex-PM ainda revelou que, no início do cumprimento de sua pena, propôs a Ronnie, no pátio da Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, para que os dois colaborassem em uma delação premiada, mas o amigo respondeu apenas "não".
Situação pessoal
Queiroz relatou que enquanto dirigia o carro usado no crime até a Casa das Pretas, na Lapa, região central do Rio, no dia 14 de março de 2018, data dos assassinatos, ele questionou Lessa sobre o crime e o ex-PM teria respondido que era "uma situação pessoal. Não era dinheiro".
Élcio afirmou que quem arrumou o 'trabalho', ou seja, a execução de Marielle Franco, foi o PM reformado Edmilson da Silva de Oliveira, o Macalé, que foi executado em 2021, mas não avançou em detalhes, pois o tema é tratado em anexo sigiloso do processo.
De acordo com Queiroz, ele conhece Ronnie há 30 anos, mas nunca tinha trabalhado junto com ele em casos como esse. O promotor do júri, Fábio Vieira, questionou o por que Ronnie confiaria nele para um crime de homicídio, se aquela era a primeira vez que atuariam juntos. Élcio respondeu que mantinha uma dívida de gratidão com Lessa, pois o executor o teria ajudado após sua exclusão da Polícia Militar. Além disso, Queiroz explicou que já atuou em operações em conjunto com Lessa nos tempos de ativa.
"Nunca trabalhamos juntos. Mas, Ronnie via minha forma destemida em operações na Vila Cruzeiro. Tinha confiança e não achou que eu daria para trás", afirmou.
O que diz o MPRJ
O promotor Fábio Vieira, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), disse que a acusação de extorsão feita por Queiroz é uma informação nova, mas que não foi provada. Tal denúncia pode até gerar uma nova investigação, contudo, não é o tema tratado na audiência desta terça-feira (10).
"A extorsão sempre vai existir no mundo do crime. Sempre alguém com algum interesse. Sobre esse aspecto, nada está provado se alguém foi extorquido para dar algum tipo de informação ou para mentir e desviar o foco. Isso a gente não pode falar. Nesse momento, nós temos o processo desse terceiro personagem, que vem à história agora depois dos outros dois, que são o Lessa e o Élcio. O que nós estamos aqui no dia de hoje é em uma audiência. Vamos juntar elementos da participação tanto do Ronnie Lessa, quanto do Élcio, quanto do Maxwell. Nesse processo específico, está respondendo apenas o Maxwell. No processo que está respondendo o Lessa e o Élcio, a gente já está em outro estágio. Esse [acusação de extorsão] não é um objeto de questionamento dentro desse processo. Essa informação que surge hoje pode dar início a uma nova investigação. Não é o que a gente está mirando. Toda informação que é acrescentada a partir daquilo que a gente já tem conhecimento vai ser ainda investigada. É temerário que nós tenhamos conclusões de uma frase em um contexto de uma hora de depoimento", explicou.
Para o promotor, o depoimento de Queiroz confirmou tudo que o MPRJ já tinha descoberto, assim como o que foi levantado pela polícia, que levou à denúncia contra os envolvidos na morte.
Outros depoimentos
Quem também depôs nesta terça-feira (10) foram as viúvas de Marielle Franco e Anderson Gomes: Mônica Benício e Ágatha Arnaus, respectivamente. A viúva do motorista revelou que o marido nunca relatou medo ou preocupação com a segurança ao acompanhar a vereadora.
Fernanda Chaves, assessora de Marielle, que sobreviveu ao ataque, também prestou depoimento. Ela também disse que não havia preocupação com ameaças contra a vereadora. "Se você não sabe de onde veio, não sabe do que se protege", comentou.
A assessora, que mora fora do Rio devido ao impacto que sofre até hoje com o crime, não quis depor na frente de Maxwell, alegando medo e constrangimento.
Após o intervalo de almoço, serão ouvidas outras testemunhas, como o delegado Giniton Lages e outros agentes policiais.
Acusação contra Suel
O ex-bombeiro foi preso em julho deste ano pela Polícia Federal na Operação Élpis, sendo a primeira prisão após o caso passar a ser investigado pela PF e pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ). O ex-militar já havia sido condenado a 4 anos por atrapalhar as investigações, mas cumpria pena em regime aberto. Em sua casa, foram apreendidas armas, supostamente legalizadas, celulares e outros bens.
De acordo com as investigações, Suel recebeu o carro usado no crime e ficou responsável pelo desmonte. Além disso, ele é apontado como dono do veículo usado para esconder as armas que estavam em um apartamento de Ronnie Lessa e ainda teria ajudado a se desfazer do armamento, jogando-o no mar.
Segundo a delação premiada de Élcio de Queiroz, Suel planejou a morte, junto com o também ex-PM Ronnie Lessa, durante o segundo semestre de 2017. O ex-bombeiro seria responsável por fazer tocaias onde a vereadora estava e acompanhar os seus traslados.
Queiroz contou que Suel também participou de uma tentativa frustrada de homicídio da parlamentar no final de 2017, no Estácio, região central do Rio. A delação apontou que o ex-bombeiro dirigia o Cobalt Prata, carro usado para o assassinato, enquanto Lessa estava armado no banco do carona com uma submetralhadora MP5. O crime só não teria acontecido por um problema mecânico no carro em que estavam. De acordo com Queiroz, Lessa ficou chateado com Suel porque achou que o homem hesitou.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.