Os presos foram reconhecidos durante a segurança por videomonitoramento em CopacabanaReprodução / Redes sociais

Rio - Após erros em prisões por reconhecimento facial que aconteceram após o Réveillon de Copacabana, na Zona Sul do Rio, advogados criminalistas ouvidos pelo DIA alertam que a falta de atualização no Banco Nacional de Mandados de Prisão, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é prejudicial e pode trazer ainda mais constrangimentos caso não seja resolvida até o Carnaval, já que o sistema de videomonitoramento deve ser usado nos arredores do Sambódromo.

Segundo os especialistas, os erros acontecem quando os tribunais não informam o recolhimento dos mandados ao sistema. Para o advogado criminalista Hildebrando Ferreira, é preciso considerar uma varredura e verificação de todos os mandados de prisão para que possa haver um trabalho efetivamente correto.

"O sistema é perfeito, mas a logística e o amparo técnico não têm. Imagina as pessoas estarem no seu lazer e serem presas por erro do sistema? O sistema não pode errar numa situação dessas. Imagina no Carnaval? Aquelas milhares de pessoas, em que muitas já tiveram problemas na Justiça, serem presas de uma forma constrangedora, em razão do seu nome sair na imprensa?", disse.

No caso da mulher e do argentino presos por engano, Hildebrando destaca que os erros foram semelhantes. "Inclusive, essa senhora já foi presa e condenada no sistema do regime aberto e ainda assim não efetuaram a comunicação ao sistema para recolher os mandados. Então é necessário que todas as vezes que eles foram recolher os mandados, façam ofícios dos mandados para que isso não possa acontecer", complementou.

Para Luís Felipe Sene, em geral, quando um mandado de prisão não foi retirado do sistema, o erro foi operacional.

"Essa atribuição é do juízo competente, que delega a função de abastecer o banco de dados à serventia judicial de cada vara criminal ou de execução penal. Sendo assim, quando há erro, trata-se de erro humano na operação do sistema", explicou o advogado criminalista.

Entenda mais sobre o sistema

Ao DIA, Sene explicou que, segundo a Resolução 251/2018, modificada pela Resolução 307/2019, toda pessoa privada de liberdade, procurada ou foragida, deve ser cadastrada no Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, recebendo um número de registro único para evitar duplicidade.

Assim, qualquer policial no território nacional pode ter acesso ao BNMP em aberto e cumprir ordem de prisão. "No entanto, a resolução obriga que a autoridade que cumprir o mandado de prisão, deverá comunicar imediatamente o fato ao juízo do local do cumprimento, que providenciará certidão e informará imediatamente ao juízo que decretou a prisão. O controle judicial, visa justamente sanar eventuais erros, por isso, esse processo de checagem deve ser seguido", explicou.

Complementando o colega de profissão, Hildebrando informou que geralmente os advogados criminalistas, que organizam pedidos de liberdade e os alvarás de soltura sempre pedem o recolhimento do mandado de prisão e que eles não fiquem em aberto no sistema.

"A polícia está a distrito do sistema, que tem que recolher esses mandados para que não haja essa situação. A credibilidade do sistema fica de uma vulnerabilidade sem par, principalmente da divulgação que foi feita, de uma forma eficiente, e depois que veio a nota de que aquele feito não se deu da forma certa. Mas e o constrangimento que aquela pessoa passou? E a divulgação das suas respectivas fotos vinculadas ao mundo?", frisou.

O professor Reinaldo Santos de Almeida, advogado criminalista e doutor em Criminologia e Direito Criminal pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), salienta que os sistemas de reconhecimento facial comparam imagens capturadas em tempo real com fotos associadas a mandados de prisão existentes.

"Quando há uma correspondência, as autoridades são alertadas. Contudo, a eficácia do sistema depende da precisão do algoritmo de reconhecimento facial e da atualização constante dos dados nos bancos de Justiça", disse.

Almeida cita ainda que os erros podem ocorrer por diversas razões, como: inexatidão do algoritmo, especialmente em ambientes dinâmicos e com variações de iluminação; imagens de baixa qualidade ou desatualizadas no banco de dados; algoritmos que podem ter viés racial ou de gênero, aumentando a probabilidade de falsas identificações em determinados grupos e os mandados de prisão não revogados ou desatualizados nos sistemas judiciais.

O que pode ser feito

Além da varredura e verificação de todos os mandados de prisão citados por Hildebrando Ferreira,  Luís Felipe Sene acredita que uma das soluções seria a comunicação automática ao CNJ sobre o recolhimento do mandado, através de tecnologias. "Um sistema digital, sob a supervisão humana, me parece ser a solução para o futuro", disse.

Santos de Almeida também concorda com um investimento em tecnologia mais precisa, além da realização de testes regulares para garantir a confiabilidade. Outras formas comentadas por ele seriam assegurar que os bancos de dados judiciais estejam sempre atualizados, implementando mecanismos de supervisão e auditorias frequentes para monitorar o funcionamento do sistema, e capacitar operadores do sistema e estabelecer protocolos claros para a verificação e ação em casos de correspondências.
Sistema deve ser usado no Carnaval
O sistema de reconhecimento facial realizado por meio de videomonitoramento, utilizado pelas forças de segurança do estado durante o Réveillon, deve ser usado nos arredores do Sambódromo, na Cidade Nova, Região Central do Rio, durante o Carnaval deste ano. A medida ainda pode ser utilizada durante desfiles de blocos de rua.
A informação foi do secretário de Estado de Polícia Militar, coronel Luiz Henrique Marinho Pires, na última terça-feira (2) durante entrevista coletiva no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), na Cidade Nova. Segundo Pires, o primeiro passo é consolidar a ferramenta em toda a orla da capital, em vias expressas, como a Linha Amarela e Linha Vermelha, e em túneis da cidade do Rio. Grandes eventos, como o Carnaval, também são prioridades.

Orientação para população

De acordo com Luís, a orientação para alguém que já sofreu algum tipo de privação de liberdade, é que guarde consigo cópia da sentença que decretou a extinção da pena, ou da decisão que revogou a prisão cautelar, ao longo de um inquérito, ou ação penal em curso.

"Cabe dizer que as partes possuem direito ao acesso irrestrito aos autos do procedimento em que figuram, e tais documentos não podem ser negados. Por fim, é importante a assistência jurídica profissional, que pode ser mediante a atuação da defensoria pública, ou de advogado particular", disse.

Há mais alguns pontos explicitados pelo defensor como: conhecer seus direitos, incluindo o direito a um advogado e a permanecer em silêncio; em caso de detenção injusta, registrar uma ocorrência e buscar assistência jurídica; e informar-se sobre como essas tecnologias funcionam e seus potenciais erros podem ajudar na preparação para lidar com essas situações.

Por fim, o advogado ressaltou que a aplicação de tecnologias como o reconhecimento facial no sistema penal reflete as tensões entre segurança e liberdade civil na sociedade do controle, "em que a vigilância constante se torna um instrumento de regulação social, com a erosão da privacidade e a autonomia do indivíduo, sob o pretexto de eficiência ou segurança".
Relembre os casos
O argentino Silvio Gabriel Juarez, de 54 anos, preso após ser identificado como um foragido da Justiça pelo sistema de reconhecimento facial em Copacabana, na Zona Sul, foi solto após audiência de custódia realizada na tarde desta quinta-feira (4). De acordo com a decisão, o mandado de prisão que justificou sua detenção na terça-feira (2) já havia sido revogado.
Também nesta quinta-feira (4), Josiete Pereira do Carmo foi liberada da prisão após policiais constatarem que houve um erro no banco de dados. Inicialmente, ela havia sido presa, na quarta-feira (3), por causa de um mandado de prisão preventiva por roubo em aberto desde 2012, mas que já havia sido revogado em 2023.
O que diz o CNJ

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) esclarece que a responsabilidade pela atualização do banco é dos juízes e juízas e não pelo órgão.

"O Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP) é mantido pelo Conselho Nacional de Justiça a partir da alimentação feita por juízes e juízas de todo o país. Conforme a Resolução CNJ n.251/2018: 'a responsabilidade pelo cadastro de pessoa, expedição de documentos, classificação, atualização e exclusão de dados no sistema, é exclusiva dos tribunais e das autoridades judiciárias responsáveis pelo cadastro da pessoa e pela expedição de documentos.' Por conta disso, cabe ao juiz/tribunal responsável pela emissão do mandado prestar as informações acerca dos documentos inseridos no BNMP", informou em nota.
O TJ salientou que "o Banco de Dados para consultar a existência de mandados de prisão pendentes de cumprimento e válidos é o BNMP2.0, por resolução do CNJ. Se a polícia tem um mandado de prisão, ela deve consultar o BNMP2.0. Se no BNMP2.0 não existir nenhum mandado de prisão válido e pendente de cumprimento, nenhuma ordem de prisão fora do banco poderia ser cumprida".
O que diz a Polícia Civil

Segundo a Polícia Civil, o sistema usado pela corporação é abastecido pelo Poder Judiciário e depende da comunicação formal."O SIPWeb é um sistema da Polícia Civil, no qual são cadastrados os mandados de prisão comunicados à instituição pelo Poder Judiciário, bem como eventuais alvarás de soltura ou contra mandados de prisão. Logo, qualquer atualização depende da comunicação formal do Tribunal de Justiça", diz o comunicado.