A artista teve ferimentos graves no rosto, braços e pernas, tendo que receber cerca de 250 pontos cirúrgicos pelo corpo. O braço direito teve que ser amputado devido aos ferimentos. Contudo, não há sinais do ataque no rosto, tampouco de inchaços nem hematomas.
O médico Tarcísio Encinas, coordenador da equipe de cirurgia plástica do Heat, explicou que a escritora deu entrada na unidade, no último dia 5, com mordidas dos pés à cabeça e perdendo muito sangue. Ela só não teve hemorragia mais intensa porque os ferimentos, ao mesmo tempo que cortaram, comprimiram os vasos sanguíneos, o que facilitou a coagulação.
"O principal desafio foi estabilizá-la rapidamente para depois começar o trabalho de reparação e reconstrução. Tivemos que reconstruir o rosto dela, tanto estética quanto funcionalmente”, disse.
A cicatrização de Murray é considerada pelos médicos mais rápida do que a média dos casos de ataques de cachorros. Em casos como o de Roseana, profissionais de diferentes especialidades trabalham juntos no centro cirúrgico, para que o paciente tenha mais chances de resistir aos traumas e ter uma recuperação mais rápida.
"Os cirurgiões fizeram um excelente trabalho. Em casos assim, é normal a vítima ficar uma semana intubada, com respiração mecânica. Mas pudemos retirar o respirador dela em menos de 36 horas. Em dois dias, voltou a comer e, no quarto, já começou a fisioterapia. É mesmo uma recuperação surpreendente, ainda mais para a idade dela. Para isso, foi fundamental o atendimento rápido. Ela chegou de helicóptero e foi direto para o centro cirúrgico, onde uma equipe multidisciplinar a esperava, pronta para fazer o atendimento. Depois da cirurgia, já no Centro de Terapia Intensiva (CTI), quando começamos a tirar sedação, ela acordou de forma muito tranquila. Geralmente, os pacientes se agitam por causa das dores e temos que retornar com os sedativos. Com ela, isso não foi necessário”, destacou o médico Matheus Vaz.
Além dos cuidados médicos e da fisioterapia, assistência social, psicologia, dentista e nutrição, a escritora é abordada todos os dias também por técnicos de enfermagem e enfermeiros que integram a Comissão de Curativos do hospital.
Autógrafos com a mão esquerda
Devido aos ferimentos, os sete médicos que participaram da cirurgia de emergência em Roseana tiveram que tomar a decisão de amputar o braço direito. Poetisa, Murray era destra e revelou que pretende continuar escrevendo, mas a partir de agora com a mão esquerda.
"Eles me explicaram que troquei um braço por uma vida. Agora vou ter que aprender a escrever com a mão esquerda para autografar meus livros!. E quero saber quando os médicos vão me liberar para tomar uma tacinha de vinho para eu comemorar em casa com a família", disse.
A previsão é de que a escritora receba alta médica nos próximos sete dias. Talvez ela esteja em casa já no final de semana. O músico Gustavo Murray, de 50 anos, filho da artista, agradeceu o cuidado dos médicos com sua mãe.
"O cuidado que minha mãe vem recebendo aqui a gente não vê em muito hospital privado. E a prontidão da equipe médica, com tantos especialistas diferentes disponíveis de imediato, fez toda a diferença no caso dela. Eu sempre fui entusiasta do SUS e, agora, ainda mais. Que ela possa continuar a semear e espalhar beleza e delicadeza que é o seu sentido da vida", destacou.
Poema e mitologia grega
Nesta segunda-feira (15), a escritora fez o seu primeiro poema na CTI do hospital. Ela não escreveu, mas ditou os versos para a irmã, destacando que os funcionários da unidade são como anjos para ela.
"Um anjo varreu a tristeza da casa. Com suas asas feitas de alguma coisa que não conhecemos. Varreu como varrem ruas e praças. Juntou tudo em suas mãos, soprou, soprou, soprou"
Em outra postagem nas redes sociais, neste domingo (14), a artista comparou o ataque dos animais ao mito de Cérbero, da mitologia grega. Para Murray, toda a situação envolvendo os cachorros a lembrou do mito, pois Cérbero, segundo a mitologia, é um cão de três cabeças que toma conta da passagem dos recém-mortos para o outro mundo. A escritora também fez uma alusão a um livro da antropóloga francesa Nastassja Martin sobre uma mulher que lutou contra um urso e venceu.
"Me lembro do mito de Cérbero, o cachorro de três cabeças que tomava conta da passagem dos recém- mortos para o outro mundo. Eles eram ferozes e ninguém os vencia. Os três cachorros que me atacaram pareciam Cérbero, o cão de três cabeças prontos para me levar para a morte. Não conseguiram. Estou viva, mas como no livro que lemos no Clube da Casa Amarela "Escute as Feras", de Nastassja Martin, a história da mulher que foi atacada por um urso, lutou e venceu, e no final, é uma mulher meio humana meio ursa, eu também me sinto meio humana meio mulher selvagem, por que venci", escreveu.
Relembre o caso
A escritora foi atacada no dia 5 de abril durante uma caminhada na Avenida Ministro Salgado Filho, no bairro Gravatá, em Saquarema, na Região dos Lagos. Os cachorros eram de vizinhos dela, fugiram da casa onde estavam e morderam Roseana.
Bombeiros do quartel do município foram acionados às 6h15 para socorrer a vítima, que foi encaminhada de helicóptero ao Heat. A escritora logo foi avaliada por um neurocirurgião, cirurgião geral, ortopedista e um cirurgião bucomaxilofacial depois de ter parte do rosto e braços dilacerados.
Os três tutores dos cachorros que atacaram a idosa foram presos em flagrante pelo crime de maus-tratos a animais por agentes da 124ª DP (Saquarema). Kayky da Conceição Dantas Pinheiro, Ana Beatriz da Conceição Dantas Pinheiro e Davidson Ribeiro dos Santos também foram autuados pelos crimes de omissão e cautela na guarda do animal e lesão corporal. A investigação apontou que os moradores da casa onde os cães estavam deixaram o portão aberto, o que possibilitou a fuga dos animais e o ataque à escritora.
"Os crimes iniciais que deflagraram na prisão sobre maus-tratos seria primeiro a omissão e cautela na guarda do animal, que acabou vitimando a senhora Roseana. Eles deixaram o portão da residência deles aberto, o que possibilitou que os cachorros saíssem e atacassem a vítima. Um detalhe é que a vítima é vizinha deles. Ela sempre faz esse trajeto matinal de passear pela calçada e acabou, no dia de hoje, sendo atacada por esses animais. Além da omissão e cautela na guarda do animal, eles vão responder por lesão corporal culposa. A investigação vai prosseguir considerando relatos de testemunhas de que isso não é a primeira vez que acontece e que essa lesão corporal culposa pode evoluir para uma lesão dolosa, considerando a questão do dolo eventual", explicou o delegado André Luiz Bueno em entrevista ao DIA.
Na última segunda-feira (8), o trio teve sua prisão em flagrante convertida para preventiva. Contudo, na quarta-feira (10), a 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) concedeu liberdade provisória aos tutores. Na decisão, o desembargador Gilmar Augusto Teixeira justificou que os animais foram apreendidos e levados para a Secretaria de Proteção Animal do Município de Saquarema.
Segundo o relator, os três acusados não representam risco para a ordem pública ou econômica, já que os animais não estão mais em posse deles. Eles responderam pelos crimes em liberdade e perderam a guarda dos cachorros, além de estarem proibidos de adquirirem outros animais até o julgamento.
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