Quem pode consegue fazer a reconstrução mamária logo após as mastectomiaDivulgação

Se a descoberta de um câncer de mama já é muito ruim para a mulher, o que dirá ter que ficar sem os seios, uma parte do corpo muito importante, símbolo da feminilidade. O que fazer quando vem a dúvida: colocar ou não a prótese? Algumas mulheres optam por ficar sem os seios, mas a maioria ainda prefere fazer a cirurgia de reconstrução mamária, um resgate da autoestima de quem já sofreu tanto com a doença.
Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica do Rio de Janeiro, Bruno von Glehn Herkenhoff, a possibilidade de realizar o procedimento de reconstrução na mesma cirurgia em que é feita a mastectomia (retirada dos seios ou de parte deles), reduz os riscos de depressão, estresse e o desgaste mental de pacientes. "Isso significa ganhos em termos de saúde física e emocional. Poupa as mulheres de duas idas ao centro cirúrgico e do abalo psicológico ao se ver, ainda que temporariamente, sem os seios”, explica Bruno.
De acordo com o profissional, porém, nem sempre é possível fazer as duas cirurgias (retirada do tumor e colocação da prótese) de uma vez. "Depende do tumor e em que parte da mama está. Muitas vezes não conseguimos fazer ao mesmo tempo e a pessoa se sente mutilada. Para fazer a reconstrução mamária colocamos um expansor (prótese temporária inflável que se parece com um balão), aumentando aos poucos, e depois de um ano entramos com a prótese. É um tempo a mais para que a pele seja reconstituída".
O profissional afirma ainda que a mastectomia varia em cada paciente. "Tem que saber se foi retirado muito tecido. A radioterapia atrapalha um pouco na cicatrização. A pele pode necrosar. É bom que a cirurgia de reconstrução mamária seja feita seis meses após a radioterapia", esclarece o médico, acrescentando que o principal nos casos de câncer de mama é a prevenção. "Se o diagnóstico for logo no início fica mais fácil curar".

A arquiteta Bruna Paudes, 40 anos, descobriu o câncer de mama em janeiro de 2020. "A primeira vez que eu ouvi da médica que teria que fazer uma mastectomia bilateral foi desesperador". Bruna lembra que optou por colocar um expansor antes de colocar o silicone.
"Fiz diversos exames que mostravam que a doença não era de fator genético e a indicação era a retirada de ambas as mamas. Da retirada até a reconstrução foi um período de adaptação e reconstrução em vários sentidos. No mesmo dia fiz a mastectomia, a reconstrução e coloquei um expansor que é feito de silicone, como as próteses, mas o conteúdo, ao invés de ter silicone, vem vazio e com passar do tempo vai sendo preenchido com soro até atingir o tamanho desejado. Só depois coloquei o silicone". A técnica aplicada no caso de Bruna é uma das novidades da cirurgia plástica reparadora, que tem como objetivo garantir um resultado o mais próximo possível da aparência real da mama.
Outra novidade que vem ajudando: a micropigmentação, que desenha a aréola dos seios. Segundo Herkenhoff, a técnica mais comum para a reconstrução dos seios é a colocação de próteses de silicone. Elas podem ou não ser acompanhadas por um expansor abaixo do músculo, dependendo do volume de mama a que se quer chegar. Alguns quadros são ainda mais complexos e exigem a retirada de muito tecido. Sendo assim, a reposição é feita através da pele e do músculo das costas e do abdômen da paciente. Apenas em seguida coloca-se o expansor e, por fim, a prótese.

Outras curiosidades 

Uma cirurgia de reconstrução de mamas dura em torno de três horas. Os mamilos podem ser reconstruídos de duas maneiras: com o auxílio de um enxerto, a partir da retirada de pele da parte interna da coxa, ou através da micropigmentação, que são gotinhas de pigmento que formam uma espécie de tatuagem na camada mais superficial da pele. Tradicionalmente, a micropigmentação na aréola é aplicada com fins estéticos, em pacientes que colocam próteses de silicone. Porém, nos últimos dois anos, o procedimento foi aperfeiçoado para atender às cirurgias de reconstrução da mama, que deixam uma pele muito fina e uma cicatriz muito acentuada, exigindo um trabalho mais detalhado e profundo.
A mastectomia subcutânea ganhou fama quando a atriz Angelina Jolie, com um forte histórico familiar de câncer de mama, retirou totalmente seus seios antes mesmo de ser diagnosticada com um nódulo maligno. A técnica da reconstrução no pós- mastectomia subcutânea consiste na colocação de uma prótese de silicone abaixo do músculo. No entanto, o cirurgião Bruno Herkenhoff alerta que se trata de uma cirurgia um pouco mais arriscada e indicada para casos muito específicos.
"Não é de forma alguma indicado que as mulheres banalizem a retirada dos seios. Após a mastectomia subcutânea, o que permanece é apenas uma fina camada de gordura. E isso causa um alto risco de necrose no seio e na aréola. Sendo assim, essa cirurgia só é indicada para aqueles pacientes que têm alterações nos genes BRAC1 e BRAC2, o que oferece grande risco de desenvolvimento da doença.”, explicou ele.
'Eu não me olhava no espelho'

A aposentada Laura Fernandes, de 61 anos, não conseguia se ver sem seus seios. Em três anos, ela precisou fazer sete cirurgias, mas vai seguindo. "Para mim a reconstrução mamária foi de muita importância. Eu tinha operado e colocado silicone. Com a questão da radioterapia, rasgou a pele queimada, e eu tive que tirar o silicone, e fiquei seis meses sem. Seria meu critério, refazer ou não. Sinceramente, eu não me via sem seio. Então, me submeti a uma cirurgia muito invasiva, porque foi retirada a pele, cortada a das costas para poder fazer a da mama, porque ele tirou o máximo que pôde da pele queimada pela radioterapia. Fui aberta igual uma lata de sardinha do meio do peito até o meio das costas e ele cortou redondo para costurar reto. Ainda puxou o músculo serrátil de trás para frente, além da prótese que colocou, ele também puxou o músculo serrátil para dar uma sustentação.
Laura conta que o médico sabia que ela não ficaria bem seus seios. "Meu oncologista falou: eu tenho pacientes de 40 anos que tiraram os dois seios e estão com um traço de cada lado, usam sutiã de enchimento e está tudo certo. Mas você não é essa mulher. Então, em três anos, fiz sete cirurgias e a última foi a reconstrução de mama. Mas primeiro eu tive que fazer o explante forçosamente. Fui parar na emergência, porque rasgou tudo, fiquei sem tecido mamário, e naquele momento não podia fazer. Então eu tive que esperar seis meses, foi em julho, depois eu operei praticamente em novembro.  Nem chegou seis meses certinho e vai fazer um ano agora dia 11 de novembro que eu fiz a reconstrução, mas eu acho que varia de pessoa para pessoa. Para mim foi muito importante questão de autoestima, de me olhar, de me valorizar porque é uma doença que te arrasa tanto pelos processos que você tem que passar. Foram 16 sessões de quimioterapia: 4 vermelhas e 12 brancas. Tive que fazer radioterapia também, 15 sessões. Então, assim, são tantas fases que te deixam, tantos efeitos colaterais. E aí você se olha, eu me olhava como se eu estivesse mutilada. Então, eu não me via sem seio. Não conseguia me enxergar, não conseguia me olhar no espelho''.
Foi em 2020, em plena pandemia, que Laura descobriu o câncer aos 58 anos."De lá para cá, o peito capsulou três vezes. Foram sete cirurgias. Acho que esse meu depoimento pode ajudar muitas pessoas que  infelizmente entrando nessa , descobrindo essa doença e começando a enfrentar e acham que não vão conseguir, não vão sobreviver, vão sim. Eu costumo repetir uma coisa que eu não lembro de quem eu escutei: As pessoas falam muito, ah, Deus dá fardo para quem pode carregar. Não, ele capacita os escolhidos".
Ansiedade e autoestima abalada
A angústia de Bruna e de Laura é a mesma de milhares de mulheres que receberam o diagnóstico do tumor, que tem a maior incidência no Brasil, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Estudos mostram que a indicação de mastectomia (retirada da mama ) causa ansiedade e problemas de autoestima entre as pacientes, principalmente diante da demora para a reconstrução mamária. Em 2023, o Brasil registrou quase 74 mil novos casos de câncer de mama, com um risco estimado de 66,54 casos a cada 100 mil mulheres. O Outubro Rosa é uma campanha importante para compartilhar informações e promover a conscientização e a redução da incidência e da mortalidade pela doença. Muitas mulheres sofrem com a falta de informações sobre quando fazer a reconstrução das mamas.
 ‘Todas as pacientes deveriam ter a oportunidade de terem suas mamas reconstruídas no momento da retirada do tumor’

Em entrevista ao jornal O DIA, a médica Sirlei dos Santos Costa, MD, PHD, cirurgiã plástica e mastologista, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, fala sobre a mastectomia, fala sobre a importância da reconstrução mamária para as mulheres.
O DIA: Quando a mastectomia é indicada?
Sirlei dos Santos Costa: O tratamento do câncer de mama é multidisciplinar e muito variável, de acordo com cada caso. Quando o diagnóstico é feito precocemente, o tratamento pode ser mais simples e a cura possível. Em parte dos casos serão necessárias quimioterapia, radioterapia, terapias alvo e até imunoterapia. Para casos selecionados de alguns tipos de tumor, a quimioterapia ou a hormonioterapia podem preceder a cirurgia, mas o principal tratamento para o câncer de mama é a retirada cirúrgica do tumor e o exame da axila correspondente ao lado da mama acometida. A cirurgia pode ser conservadora, isto é, pode ser retirada apenas parte do seio, ou radical, quando é retirada toda a mama.

O DIA: Normalmente se faz nas duas mamas mesmo quando o tumor é só em uma?
Sirlei dos Santos Costa: A extensão da cirurgia nem sempre é proporcional à gravidade do caso. Pode ser recomendada a mastectomia das duas mamas para casos de doença inicial, e a retirada só de parte da mama para doenças mais avançadas. O médico irá determinar o que é indicado para o caso de cada paciente.
O DIA: Pode-se fazer a reconstrução na sequência da mastectomia?
Sirlei dos Santos Costa: Todas as pacientes deveriam ter a oportunidade de terem suas mamas reconstruídas no momento da retirada do tumor. São raros os casos de contraindicação para a reconstrução imediata, mas isso pode acontecer se as condições clínicas da paciente forem precárias. A reconstrução da mama acometida pelo tumor pode ser feita por reacomodação do tecido mamário remanescente e, no caso de retirada de toda a mama, esta pode ser reconstruída com uso de expansores temporários, próteses ou transposição de tecidos do abdômen ou do dorso. A mama não acometida também pode ser tratada com técnicas de cirurgia plástica estética para que o resultado fique simétrico.

O DIA: Quais são os benefícios da reconstrução além do efeito estético?
Sirlei dos Santos Costa: Não é difícil entender o significado da reconstrução de mama para a mulher. A mama é o único órgão que exterioriza a feminilidade e, por isso, possui grande importância para a figura feminina. A imagem corporal é um dos balizadores da boa autoestima e a mastectomia acaba por desestabilizar esta mulher emocionalmente. Então, a reconstrução se mostra como uma alternativa para restabelecer a estética corporal e melhorar a autoimagem da paciente.
Para enfrentar a ameaça e risco de morte ao receber um diagnóstico de câncer de mama, a mulher precisa de uma boa estrutura psíquica e muito apoio da família e dos amigos. Parece lógico que todas as pacientes deveriam sair do tratamento já com suas mamas reconstruídas, mas estamos ainda longe desta condição por toda nossa estrutura de saúde em nosso país.
Mas, mesmo em países desenvolvidos, a reconstrução ainda não alcança todas as mulheres, por questões econômicas ou culturais, principalmente. Por tudo isso a campanha do Outubro Rosa possui tanta importância, para reforçar a necessidade do tratamento do câncer de mama completo para as mulheres.
Para a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, a reconstrução mamária ajuda a paciente a aderir mais ao tratamento e a ajuda no encorajamento para se cuidar mais. Há indicadores americanos que atestam isso. A reconstrução mamária também agiliza o processo de reinsertion da mulher pós cirurgia, uma vez que ela se sente mais pronta para voltar à vida social e também profissional.