Rio - O Supremo Tribunal Federal (STF) começou, na tarde desta segunda-feira (21), os interrogatórios dos réus sobre a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O primeiro a ser ouvido é o deputado federal Chiquinho Brazão. Outras quatro pessoas serão interrogadas no decorrer da semana.
O interrogatório faz parte do processo que julga os cinco réus pelo assassinato de Marielle e de Anderson, em março de 2018. Os acusados já tinham prestado depoimento depois das prisões e apresentado suas defesas após as denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR). Após essa fase processual, os advogados dos réus e a acusação terão cinco dias para avaliar a necessidade de novas diligências. Se isso não acontecer, o processo entra na fase das alegações finais.
Além dos três acusados, a PGR também denunciou Ronald Paulo de Alves Paula, major da Polícia Militar, e Robson Calixto Fonseca, conhecido com Peixe. Os dois se tronaram réus pelos assassinatos e vão responder a uma ação penal pelos crimes.
"Há provas suficientes de autoria e materialidade e a PGR expôs os fatos criminosos, a qualificação dos acusados. Se esses indícios serão confirmados durante a ação penal, para isso teremos o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa aos acusados. A denúncia descreveu de forma coerente e pormenorizada os supostos crimes cometidos, os homicídios consumados e tentados, além de organização criminosa", declarou o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, na decisão.
Nesta terça-feira (22), está previsto o interrogatório de Domingos Brazão. Na quarta-feira (23), o de Robson Fonseca. Na quinta-feira (24), o do delegado Rivaldo Barbosa. Já na sexta (25), o Major Ronald será ouvido.
Acusação
A denúncia apontou que os irmãos Brazão foram os mandantes do crime. Segundo o documento, eles teriam planejado o assassinato em razão da atuação política de Marielle que dificultava a aprovação de propostas legislativas que facilitavam a regularização do uso e da ocupação de áreas comandadas por milícias no Rio de Janeiro.
A dupla teria contado com o apoio do delegado Rivaldo Barbosa. A PGR afirma que ele teria se encarregado de dificultar as investigações, utilizando-se de sua posição de comando na Polícia Civil do Rio para assegurar que os mandantes ficariam impunes.
Já o Major Ronald é acusado de monitorar as atividades de Marielle e fornecido aos executores informações essenciais para o crime.
Robson Calixto Fonseca, o Peixe, responde por integrar organização criminosa com os irmãos Brazão.
Depoimentos de testemunhas
Antes da fase de interrogatórios dos réus, testemunhas arroladas pela defesa e pela acusação prestaram depoimento ao STF em agosto. O ex-policial militar Ronnie Lessa, preso por ser o executor das mortes, contou que houve quatro reuniões com os irmãos Brazão em relação ao crime. Segundo a oitiva, a vereadora começou a atrapalhar negócios da milícia e por isso se tornou um alvo.
Lessa afirmou que Domingos, durante uma reunião, disse que Marielle poderia ser um problema pois ela teria começado a combater os condomínios ilegais que eram loteamentos da milícia na Zona Oeste. O objetivo do crime inicialmente, segundo Ronnie, era dar um baque no Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), partido da vereadora, fazendo um atentado a Marcelo Freixo. Contudo, o ex-PM teria tirado essa ideia do caminho, apresentado por seu comparsa, o PM reformado Edimilson de Oliveira, conhecido como Macalé, porque seria algo que teria um impacto maior.
"Quem me disse isso foi o próprio Domingos, que ela fez uma monte de reunião e estava perturbando. Aí entra a questão do Psol em si. Estava voltado para o Marcelo Freixo, eu que tirei da cabeça do Macalé. A Marielle teve a infelicidade, ao meu ver, de aparecer negativamente pra eles. Parece que eles queriam dar uma pancada no partido dela. Isso ficou bem claro quando encomendaram a cabeça do Marcelo Freixo. Acho que ela foi infeliz de aparecer e bater de frente com eles. Ela teria demonstrado que ia combater os loteamentos da milícia. Virou uma pedra no caminho. Ali foi o decreto de morte dela. Hoje em dia, vejo dessa forma. O fato de ser a Marielle em si é que eles já iam dar um prejuízo no Psol. Se o Freixo morresse, ia abalar a estrutura do partido inteiro. Ao meu entender, seria um impacto muito grande", contou.
De acordo com Lessa, quem mais falava durante as reuniões era Domingos. Já o irmão, Chiquinho, ficava quieto, concordando.
Já Élcio de Queiroz, que dirigia o carro no dia do assassinato, divergiu de Lessa sobre alguns pontos do caso. Um deles foi sobre a motivação do crime que. Élcio afirmou ter ouvido de Lessa que o assassinato tinha um caráter "pessoal", mas não soube especificar qual seria essa motivação.
Élcio ainda relatou que notou um aumento no patrimônio de Lessa após o crime, mencionando a compra de uma lancha, um carro novo e uma blindagem adicional, além de uma viagem aos Estados Unidos. Ele disse ter confrontado Lessa sobre as despesas, expressando desconfiança em relação à origem dos recursos. Ronnie, em sua delação, mencionou que receberia como recompensa dois terrenos no bairro do Tanque, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio.
Arrolada como testemunha de acusação, a jornalista Fernanda Chaves, que estava no carro no momento do assassinato, disse que a rajada de tiros foi curta e, ao ser atingido, o corpo de Marielle reclinou sobre a assessora, que estava abaixada no chão do veículo, a protegendo. "Não fui atingida porque Marielle foi meu escudo", afirmou.
A assessora também confirmou que a vereadora tinha pautas sobre a habitação em áreas da Zona Oeste, uma região dominada por milícia.
"A agenda do mandato dela nessas áreas aconteceu. A assessoria da pauta de urbanismo esteve em alguns momentos em agendas na Zona Oeste. É complicado dizer áreas de milícias, atribuir território a criminosos, mas, sim, tinha um trabalho sobre isso. Marielle fez essa interlocução com a Defensoria Pública para tratar desse tema", completou.
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