Ronnie Lessa prestou depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (27)Reprodução

Rio - Em depoimento realizado nesta terça-feira (27) ao Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-policial militar Ronnie Lessa contou que houve quatro reuniões envolvendo os irmãos Brazão em relação ao crime. Segundo a oitiva, a vereadora começou a atrapalhar negócios da milícia e por isso se tornou um alvo. Lessa ainda demonstrou arrependimento em se envolver no atentado. Preso, o ex-PM confessou o assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
Lessa começou a prestar depoimento nesta terça como testemunha no processo contra os acusados de serem os mandantes e de planejarem o crime. Entre os réus estão: Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ); Chiquinho Brazão, deputado federal; Rivaldo Barbosa, delegado de Polícia Civil; Robson Calixto Fonseca, o Peixe, ex-assessor de Domingos no TCE; e Ronald Paulo Alves Pereira, major da PM.
Ele contou que Domingos, durante uma reunião, disse que Marielle poderia ser um problema pois ela teria começado a combater os condomínios ilegais que eram loteamentos da milícia na Zona Oeste. O objetivo do crime inicialmente, segundo Ronnie, era dar um baque no Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), partido da vereadora, fazendo um atentado a Marcelo Freixo. Contudo, o ex-PM teria tirado essa ideia do caminho, apresentado por seu comparsa, o PM reformado Edimilson de Oliveira, conhecido como Macalé, pois seria algo que teria um impacto maior.
"Quem me disse isso foi o próprio Domingos, que ela fez uma monte de reunião e estava perturbando. Aí entra a questão do PSOL em si. Estava voltado para o Marcelo Freixo, eu que tirei da cabeça do Macalé. A Marielle teve a infelicidade, ao meu ver, de aparecer negativamente pra eles. Parece que eles queriam dar uma pancada no partido dela. Isso ficou bem claro quando encomendaram a cabeça do Marcelo Freixo. Acho que ela foi infeliz de aparecer e bater de frente com eles. Ela teria demonstrado que ia combater os loteamentos da milícia. Virou uma pedra no caminho. Ali foi o decreto de morte dela. Hoje em dia, vejo dessa forma. O fato de ser a Marielle em si é que eles já iam dar um prejuízo no Psol. Se o Freixo morresse, ia abalar a estrutura do partido inteiro. Ao meu entender, seria um impacto muito grande", contou.
De acordo com Lessa, quem mais falava durante as reuniões era Domingos. Já o irmão, Chiquinho, ficava quieto, concordando. 
Antes de Ronnie começar a falar na sessão, o advogado Saulo Carvalho, que representa Lessa, solicitou que os réus deixassem a videoconferência e não assistissem, ficando apenas suas defesas. O ex-PM justificou o pedido dizendo que todos são pessoas de alta periculosidade, comparando com ele mesmo.
"Não estamos lidando com pessoas comuns. São pessoas de alta periculosidade, assim como eu fui. São muito perigosos, mais do que se possa imaginar", comentou.
Planejamento
Lessa confessou que participou do crime, junto com seu comparsa Macalé - assassinado em 2021 - devido a quantia que ia receber. Ronnie deixou claro que Edimilson tinha envolvimento com milícia em diversas partes da cidade, incluindo em Oswaldo Cruz, na Zona Norte. O ex-PM disse que ele participou efetivamente no planejamento do crime, como ao, por exemplo, adquirir a arma utilizada no assassinato. Segundo Lessa, o homem conseguiu uma submetralhadora com Robson Fonseca, o Peixe.
"Macalé era o homem por trás da milícia. Ele tinha ingerência em qualquer coisa que a milícia explorava. Na polícia, ele tinha muito respeito. Eu pedi pro Macalé arrumar a arma, falei para ele trazer uma e ele veio com uma bolsa, onde eu vi uma MP-5. Eu trabalhei com o modelo no Bope e comprei uma réplica dela em calibre 22. Eu tinha acessórios. Eu adaptei uma rosca nela, um abafador. Aquilo ali caiu como uma luva. As questões técnicas eu entendia", explicou.
O ex-PM recebeu a recomendação de que a arma tinha que voltar para o lugar de onde veio após o crime. Lessa explicou que a submetralhadora tinha numeração intacta e poderia ser de algum órgão estatal.
Em uma das reuniões com os irmãos Brazão, Lessa contou que foi avisado sobre o assassinato não ser realizado na saída da Câmara dos Vereadores, um plano que teria sido idealizado pelo delegado Rivaldo Barbosa. Os encontros começaram a ser realizados em setembro de 2017, assim como o planejamento.
Sobre o carro usado no crime, um Chevrolet Cobalt prata, Lessa disse que o responsável por adquiri-lo foi o ex-bombeiro Maxwell Simões Correa, o Suel, que está preso por envolvimento no assassinato. De acordo com Ronnie, Macalé chamou Suel para o planejamento sem consultá-lo antes, o que o incomodou, pois Maxwell não estaria preparado para a situação.
Segundo Lessa, Élcio de Queiroz, que dirigiu o carro no dia do crime, se envolveu no caso porque procurava algo para fazer. Contudo, Ronnie destacou que Élcio só soube quem era o alvo no dia do assassinato.
"No final do ano de 2017 para 2018, já tínhamos marcado uma reunião com o Domingos e o Chiquinho. Falei que ia botar alguém de sobreaviso e foi o Élcio. Ele vinha falando que estava pedindo uma oportunidade. O Macalé tinha falado que não era pra avisar porque se não precisasse, não ia usar ele. Depois da segunda reunião, não estávamos conseguindo novidade até que Macalé me ligou. Ele disse que ia ter um evento e que tinha certeza que Marielle ia estar. Eu e Élcio demos uma volta no quarteirão e esperamos o momento. A intenção, a princípio, era disparar ali na Casa das Pretas, mas pensei que era perto da Secretaria de Polícia Civil. Seria uma afronta matar uma vereadora ali", lembrou.
Marielle foi assassinada na noite de 14 de março de 2018, no Estácio, na Região Central do Rio. Ela voltava de carro para a casa em que morava, na Tijuca, depois de participar de uma reunião com mulheres negras na Lapa. 
Repercussão e arrependimento
Depois do crime, Lessa e Élcio fugiram e deixaram o carro próximo da casa da mãe do autor dos disparos no Engenho de Dentro, na Zona Norte. De lá, a dupla pegou um táxi para voltar para a Barra da Tijuca, na Zona Oeste, onde Ronnie morava. No bairro, ambos foram para um bar onde se encontraram com Suel, para quem Lessa pediu que sumisse com o veículo.
Após o assassinato, Lessa contou que voltou a se encontrar com os irmãos Brazão devido a repercussão. Segundo ele, Domingos teria dito que tinha pessoas influentes e que nada iria acontecer com os envolvidos.
"Dessa vez já foi um clima tenso. A maneira que o Domingos falava era bem mais alto que o normal. O Chiquinho não falava nada. Estava todo mundo nervoso. Ficava falando que o Rivaldo ia ver isso. Em um momento ele chegou a dizer o seguinte: 'se for o caso nós vamos por cima, temos promotores, juízes e desembargadores, tudo amigo nosso'. Isso o Domingos falou pra gente. Uma coisa dessas não tinha como voltar atrás. Botei os R$ 25 milhões que era a minha parte e falei que ia ficar com esse dinheiro. Eu já tinha ficado cego", comentou.
Durante o depoimento desta terça, Lessa demonstrou arrependimento em ter participado do assassinato. De acordo com ele, é um alívio poder estar abrindo o jogo depois de tanto tempo.
"O Anderson, nem a assessora faziam parte do plano. Parece que a munição que atingiu o corpo da Marielle pegou nele. Infelizmente, aconteceu isso. Não tem esse papo de ódio. Estou aqui mega arrependido do que me meti. Não precisava disso, foi ganância. Estou preso, longe da minha família, cai em uma asneira. Estou vivo e sou uma testemunha viva do que aconteceu. Me deixei levar. Por isso, vou pagar pelo o que devo. O meu arrependimento bateu no dia do crime ou até antes. Eu me coloquei em risco por ganância. Agradeço por estar preso porque pelo menos eu estou vivo. Não está sendo fácil, mas pelo menos estou mais aliviado. Eu sei que tenho que pagar pelo crime. Ninguém pode ficar de fora disso aqui", destacou.
Lessa voltará a prestar depoimento na tarde desta quarta-feira (28).