Rio - A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) indiciou por racismo, nesta quarta-feira (20), o casal que imitou macacos durante a roda de samba Pede Teresa, na Praça Tiradentes, Centro do Rio. O caso aconteceu em julho e foi gravado por uma jornalista que participava do evento. As imagens foram entregues à polícia, que iníciou a investigação por racismo no dia 22 daquele mês.
A equipe da Decradi analisou as imagens e ouviu testemunhas, além dos autores, Thiago Martins Maranhão, de 41 anos, e a argentina Carolina de Palma, ambos professores. O relatório com as conclusões será enviado ao Ministério Público.
"O ato praticado associou negativamente indivíduos ou grupos, especialmente em relação à população negra, uma vez que esse comportamento é carregado de uma história de racismo, já que a comparação entre pessoas negras e macacos foi amplamente usada para desumanizá-los e discriminá-los ao longo da história", destaca a conclusão do inquérito.
A Decradi ressaltou que, ainda que tais atos sejam considerados por alguns como "brincadeiras", eles perpetuam traumas, desigualdades sociais e ferem a dignidade humana.
As imagens que deram início às investigações foram registradas pela jornalista Jackeline Oliveira, que destacou a relevância do indiciamento, especialmente nesta quarta-feira (20), Dia da Consciência Negra.
"Nenhum avanço vem sem luta e toda luta é coletiva, principalmente, a luta contra o racismo. Ver esse caso andar no primeiro dia nacional da Consciência Negra, é simbólico demais. Traz um ar de esperança na justiça. Nós, pessoas negras, nunca fomos incentivados a lutar pelos nossos direitos, a denunciar. Hoje sabemos que a lei precisa garantir nossos direitos, principalmente do bem viver", disse.
O crime de racismo, conforme a legislação brasileira, é inafiançável e imprescritível, com pena prevista de 3 a 5 anos de reclusão. A reportagem de O DIA tenta localizar a defesa dos professores, o espaço segue aberto para manifestações.
Testemunhas
Duas testemunhas que presenciaram o ato racista na roda de samba prestaram depoimento na especializada. Segundo os relatos, o homem e a mulher chegaram a imitar os sons do animal.
O empresário João Ricardo, de 37 anos, estava com o amigo, o jornalista Thiago Teixeira, 37. Eles aparecem ao fundo do vídeo, próximo ao casal. Segundo João, os dois editavam um vídeo para a página deles, que atua fazendo cobertura, divulgação e entrevistas dos sambas do Rio, quando a cena teve início.
"Em um certo momento, entra no meu campo de visão o homem, que estava imitando com movimentos, e fazendo sons de macaco, eu vejo aquilo, fico muito assustado e indago meu amigo Thiago 'eles estão imitando macaco' quando olhamos juntos, percebemos que a mulher e o homem estavam fazendo o mesmo movimento", disse ao DIA na época.
Argentina estava no Rio em evento
A professora argentina veio ao Rio para um evento no Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, entre os dias 15 e 19 deste mês. A Junta Diretiva Internacional do Fórum Latino-americano de Educação Musical (Fladem) pediu à seção brasileira uma investigação sobre a estrangeira e informou que os investigados não são associados à entidade e que o vídeo foi gravado quando o seminário já havia terminado.
A Associação Orff-Schulwerk da Argentina defendeu a professora, alegando que o ato não tem conotação racista. A organização sem fins lucrativos informou que a argentina é associada há muitos anos. A nota diz ainda que, no país, "no contexto de uma atividade pedagógica, a imitação de animais não tem conotação racista"
Em nota enviada ao DIA, a escola informou que foi surpreendida pelas notícias do episódio, que aconteceu "durante o período de férias e fora do ambiente escolar".
"Reiteramos, uma vez mais, que não compactuamos com nenhum ato ou manifestação que fira os valores de respeito à diversidade cultivados em nossa instituição. Nosso compromisso é promover um ambiente seguro para todos os nossos estudantes, colaboradores e a comunidade escolar através de uma educação de respeito e cidadania", informa o comunicado.
Monitoramento de crimes de preconceito
O Governo do Rio apresentou, nesta quarta-feira (20), o painel interativo Discriminação, ferramenta que reúne dados sobre crimes de preconceito registrados no estado. O quadro do Instituto de Segurança Pública (ISP) aponta que o mês de junho teve o maior número de casos de injúria por preconceito registrados desde que os dados passaram a ser compilados, em janeiro de 2018. Ao todo, foram 209 ocorrências.
No primeiro semestre deste ano, 1.719 pessoas procuraram delegacias para denunciar algum tipo de crime relacionado à intolerância, o que representa uma média de nove vítimas por dia. Um dado que se destaca é a quantidade de crimes de intolerância cometidos no ambiente virtual: 46 ocorrências em seis meses.
Dentre os crimes analisados, a maioria das vítimas sofreu injúria por preconceito (1.106); seguida por preconceito de raça, cor, religião, etnia ou nacionalidade (436). Outros números incluem intolerância e/ou injúria racial, de cor e/ou etnia (60); praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão da sua deficiência (41); intolerância por orientação sexual e intolerância religiosa, os dois com 18 vítimas cada.
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