Falhas no sistema de transplantes do RJ oferecia riscos a órgãos, aponta diretor do SUS
Um dos problemas era falta de fiscalização sobre o laboratório conhecido pelo caso de transplantados infectados por HIV
Um sala do PCS Saleme que funcionada no Instituto Estadual de Cardiologia foi demolida irregularmente, segundo relatório do DenaSUS - Reprodução/Google Street View
Um sala do PCS Saleme que funcionada no Instituto Estadual de Cardiologia foi demolida irregularmente, segundo relatório do DenaSUSReprodução/Google Street View
Rio – Uma série de falhas nas instalações do sistema estadual de transplantes do Rio de Janeiro vinha colocando sob risco inúmeros órgãos destinados à doação em 2024. Esse é um dos apontamentos de uma auditoria realizada pelo Ministério da Saúde entre outubro e novembro do ano passado, que teve como motivação o escândalo dos transplantados infectados por HIV envolvendo o PCS Lab Saleme. A visita técnica, concluída no último dia 15, identificou ainda outras irregularidades, como a demolição de uma sala usada pelo laboratório.
O DIA conversou com Alexandre Alves Rodrigues, diretor do Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (DenaSUS), divisão responsável pela inspeção. Ele contou que as equipes de fiscalização testemunharam o descumprimento de diversos protocolos no sistema de transplantes do Estado, o que deixava os órgãos vulneráveis: "A estrutura foi o problema principal. Identificamos não conformidades que poderiam gerar riscos aos órgãos".
O diretor deu exemplos de tais falhas: "Se você não etiqueta o órgão adequadamente ou não coloca gelo suficiente, há o risco de o órgão deixar de permanecer eficiente para transplante”.
Além dos deslizes nos procedimentos, ressalta Rodrigues, havia ainda um descumprimento de contrato, já que a Secretaria Estadual de Saúde (SES), como ente público, não fiscalizava adequadamente o laboratório privado contratado, em 2023 por quase R$ 10 milhões.
"Um contrato administrativo contém obrigações para ambas as partes. A do contratante é honrar os pagamentos, enquanto o contratado deve seguir o que foi determinado. No caso do PCS, que não possuía licença sanitária para exercer suas atividades, era fazer as testagens nos doadores, cuidar da segurança dos órgãos. E esse tipo de serviço exige fiscalização. Tem que acompanhar periodicamente. E não havia uma rotineira fiscalização sobre como deve ser", afirmou o diretor.
Desmonte
A GloboNews, que teve acesso ao relatório, destacou que equipes do DenaSUS constataram outra irregularidade, desta vez na sala usada pelo PCS Saleme no Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro, no Humaitá, Zona Sul, para a realização de exames nas amostras de sangue de doadores.
De acordo com a reportagem, a instalação, mesmo interditada pela Vigilância Sanitária e investigada pela Polícia Civil, estava em processo de demolição, sem que justificativas ou documentos sobre os responsáveis pela obra fossem apresentados. O flagrante aconteceu somente duas semanas após o escândalo dos transplantados infectados vir à tona, em outubro passado.
Secretaria responde
Questionada, a SES informou que criou um grupo de trabalho para providenciar com agilidade uma série de medidas adotadas "para garantir a segurança dos pacientes que passam por transplantes".
A pasta também citou um reforço para equipes de hospitais públicos e privados e informou que criou um grupo de trabalho para providenciar, com agilidade, uma série de medidas adotadas "para garantir a segurança dos pacientes que passam por transplantes".
Sobre os exames de sorologia que eram de responsabilidade do PCS Saleme, a secretaria comunicou que o Hemorio tem realizado os procedimentos. Não ficou esclarecido, no entanto, se essa é uma medida temporária ou definitiva.
A SES também ressaltou que a Vigilância Sanitária estadual intensificou o monitoramento nos centros transplantadores a fim de verificar o cumprimento das normas estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Quanto à demolição da antiga sala usada pelo laboratório, não houve resposta.
Inspeções seguirão
À reportagem, Alexandre Alves Rodrigues confirmou que inspeções posteriores encontraram melhorias no operacional do sistema de transplantes estadual. O departamento, porém, continuará com as vistorias – dentro de intervalos de aproximadamente dois meses – enquanto houver pendências.
"Vamos seguir até que se encerre esse relatório, chegando à conclusão de que todas as não conformidades foram corrigidas”, completou Rodrigues, lembrando que a pasta não deverá sofrer punições, como multas por exemplo, pelas irregularidades: "O SUS é uma tripartite, com esferas federal estadual e municipal. Não há ingerência sobre as secretarias. Então não há previsão de multa. O que nos comprometemos é manter o monitoramento periódico".
Prefeituras do Rio e Caxias se pronunciam
Como parte da inspeção, o DenaSus contou com apoio de uma comissão de vigilância sanitária da SES, que inspecionou o Hospital Municipal Albert Schweitzer, no Rio, e o Hospital Municipalizado Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde morreram dois dos doadores ligados ao caso de transplantados infectados por HIV.
Secretário municipal de Saúde do Rio, Daniel Soranz conversou por telefone com a reportagem e explicou que na visita foram identificadas três irregularidades no Albert Schweitzer – como a ausência de um profissional técnico de biovigilância, encarregado por acompanhar todo o processo de um transplante de órgão.
"O técnico não foi encontrado no momento da visita, mas logo depois o apresentamos. Os outros pontos foram o relatório mensal da CIHDOTT (Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes), que enviamos depois; e a atividade de notificação e investigação de evento adverso relacionado a transplante, que não havíamos enviado porque não tínhamos sido notificados até aquele momento. Mas está tudo ok com o Albert, que mantém o trabalho de captação dos órgãos", garantiu Soranz.
Já a Secretaria de Saúde de Duque de Caxias enviou uma nota. No texto, a pasta divulgou que "todas as pendências apresentadas no relatório de inspeção emitidas após fiscalização na unidade, referentes a não conformidades da CIHDOTT, foram respondidas aos órgãos competentes, tanto na esfera estadual, como federal".
PCS Lab Saleme é investigado por contaminação de seis pacientes transplantados com HIV Fernando Frazão / Agência Brasil
Ainda segundo a Polícia Civil, após esta etapa, a investigação foi desmembrada para a instauração de um novo inquérito sobre o processo de contratação do laboratório, que segue em andamento.
A reportagem não conseguiu contato com representantes do PCS Lab Saleme - cuja unidade principal funcionava em Nova Iguaçu, na Baixada. No site da empresa, há uma nota de esclarecimento que fala em reconhecimento das "gravíssimas consequências decorrentes dos exames de análises clínicas em questão".
O laboratório diz ainda que colabora com as investigações – "tanto na esfera penal, como no âmbito administrativo" – e pretende "dar uma resposta à sociedade", independentemente das conclusões.
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