Por O Dia
Rio - Estava aqui numa pausa entre nada e coisa nenhuma e perguntei pra mamãe: "Quer que eu compre pão?" Coisa simples, né? Né nada simples. Explico: mães têm um radar que lhes diz a hora exata em que o pão está saindo, e na qual as filas pra comprá-los estará maior que fome de filhote de cachorro. Se você pergunta se elas querem pão às 15h12 vão dizer que ainda estão com a barriga cheia do almoço, mas se perguntar às 15h13, elas vão aceitar porque sabem, por uma intuição safada, que tem uma fornada saindo em dez minutos lá na padaria do mercado.
A gente se prepara pro pior e relaxa. Vai ter muita fila e é assim mesmo! Trabalhamos o psicológico e encaramos a sina enquanto elas ficam em casa com aquela carinha de famintas por um pãozinho.
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Mas as coisas podem piorar. Eu sempre que me ofereço pra comprar pão (detalhe: eu não como pão, e nunca sei se ela entocou alguma bisnaguinha do café da manhã pra comer à tarde, por isso tenho que perguntar, porque se compro pão a mais tem revolta da chibata e discurso antidesperdício), então saio correndo pra evitar que ela me dê a missão mais braba da hora do rush do mercado. Mas a estratégia não dá certo: "Andrezinho, compra duzentos gramas de mortadela também. Defumada!"
Gente... Eu sempre compro esses frios nos horários fofos. Na hora agitada do mercado, a fila pra comprar essas coisas é maior que as dos adolescentes esperando pra ver Luan Santana fazendo malabares com os meteoros da paixão.
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Tento mudar de assunto, mas ela está firme no desejo mortadélico.
Rezo pedindo um suporte angelical, mas não dá outra: a fila do pão está tão grande que deduzo que é Jesus Cristo quem está na padaria, e que também vai rolar um peixe pra eu levar pra casa. Torço pra não ser xerelete.
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Pego os pães e não tem Jesus nenhum. Ou seja: de milagre, só a minha paciência.
Chego na fila dos frios. Se na do pão parecia acontecer um milagre bíblico, na de mortadela achei que o próprio ROBERTO CARLOS estava fatiando blanquet enquanto BARBRA STREISAND pesava o queijo minas. Uns 708 senhorinhos esperavam seu atendimento
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- Hora de pico e esse mercado só coloca um funcionário pra nos atender - diz um senhor.
- Tem três funcionários, mas eles falam mais do que trabalham - responde a tia com jeito de acumuladora de gatos.
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- Tem um ali brincando no zap - uma ruiva com jeito de ex-chacrete se arvora e eu intervenho:
- Aquilo é um pedaço de muçarela, senhora.
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- Ela tá brincando com a muçarela? Cretina.
- Tá só segurando mesmo, senhora.
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- Outro dia ficaram rindo e fazendo piadas com um salame imenso. Fiquei até sem graça. Enfrentei a fila pelo salame e levei peito de peru defumado - comentou um tiozão que foi sarado em 1930.
- Eu fico sem graça quando me perguntam se eu prefiro linguiça ou salsicha - comentei pra apaziguar.
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Estava quase chegando a minha vez e uma moça, três posições a minha frente, fez seu pedido.
- Quero duas fatias de queijo bola.
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O queijeiro fez cara de mesa velha. Ela repetiu:
- Duas fatias!
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O tiozão ex-sarado se pronunciou:
- Eu estou nessa fila há horas, erisipela me consumindo, porque essa gente sai de casa pra comprar duas fatias de queijo!!
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- Não muda nada. Ela pedir duas fatias ou duas toneladas não afeta nossa fila. Duas fatias pode até ser mais rápido - defendi a moça.
A fila fica numa região superfria do mercado, e eu começava a perder a sensação das extremidades do corpo, mas o que o senhor irado falou em seguida me fez pegar fogo de raiva:
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- Tu cuida da tua linguiça que eu me entendo com a "duas fatias".
Eu respirei fundo, pensei que não devemos desrespeitar os mais velhos, mas meu erê presidiário estava prestes a tomar meu corpo. Enquanto isso, sem se virar, segurando seus "dois queijos", a moça no balcão falou alto:
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- Manda um cuidar da linguiça, toma conta do meu queijo, mas tá doido por um salame.
Chegou a vez dele. O balconista perguntou:
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- Salame?
Climão.
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O tiozão sussurrou:
- Duzentos gramas. Fatiado.
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Eu ri.