André Gabeh - Luciano Belford/Agência O Dia
André GabehLuciano Belford/Agência O Dia
Por André Gabeh
Rio - Há anos eu não conseguia dar doces de Cosme e Damião. O arco íris ainda era preto e branco e pintado à mão quando eu dei meus últimos saquinhos de doce ainda na minha antiga casa, em Cavalcanti.

Começaram a sumir umas coisas aqui onde moro. Misteriosamente. Desmaterialização mesmo. Dois perfumes novinhos. Uma caixa de bis que comprei pra minha mãe. Uma pulseirinha colorida... Sumiram!! A gente enlouquece, né? Acha que enlouqueceu, que quem mora com a gente enlouqueceu também, que invadiram nossa casa só pra roubar esses objetos aleatórios, viaja na maionese e começa a suspeitar que uma ratazana pegou as coisas e levou pra toca. Um horror.

Revirei a casa toda. Até na caixa de gordura eu fiz investigação Discovery. NADA. Minha mãe chorou achando que eu estava desconfiando dela. Eu fiquei abismado por minha mãe achar que eu poderia pensar que ela me roubou alguma coisa. Fiz promessas malucas (nove mil pulinhos pra São Longuinho. Até o momento já paguei 2500), novenas, orações... Fiquei tristão. Contei pra amigos e uma amiga bruxa falou: - Você tá devendo pros Erês.

Me revoltei, disse que não estava devendo coisa nenhuma. Eu hein. Ela continuou: - Tá devendo e eles nem ia ligar porque são seres evoluídos, mas se cansaram de ouvir que você não deve nada. Você fala muito isso?

Olha... Minha cara caiu no cocô de gato. Eu já tinha falado essa frase algumas vezes. Tremi.
Ela arrematou: - Relaxa. Vai aparecer quando você esquecer.

Sou ansioso e ligado em tudo, imaginei o perfume aparecendo no meu aniversário de 107 anos, chegando no bico de um urubu pentatarataraneto da ave ladra dos meus perfuminhos. Como esquecer de algo que te tira o sono?

Naquele dia dormi estupefato e biltre. Sonhei que urinava formigas saúvas que se transformavam em moedas de um real, mas que quando eu ia catá-las elas simplesmente viravam nuvens de vapor. Acordei assustado e inquizilado. Aproveitei que tinha um dinheirinho sobrando que havia reservado pra comprar cuecas e sabonetes pra viagem que farei em Outubro e pensei: Vou dar doce. No dia seguinte já fui ao Mercadão (onde aproveitei pra autografar uns livros, sou desses) e comprei tudo do bom e do melhor, sem economizar. Seriam cinquenta saquinhos recheados com doces de qualidade e muito carinho. Voltei pra casa, deixei as compras no meu quarto e segui com a vida pois só daria os doces três dias depois. O corre-corre da rotina tomou meu orí e só na quinta-feira a noite eu tive tempo de fazer minhas sacralizações macumbológicas e ensacar meus docinhos. Fiz tudo com muito gosto entretido no próprio fazer.

Dormi ansioso e emotivo. Sonhei que um gato amarelo pulava no meu colo e suas patinhas deixavam pegadas que pareciam lama mas na verdade eram feitas de bananada. Ele deixou marcas de seus pézinhos em mim e em todos os lugares por onde passava. Acordei com um grito de minha mãe que estava tendo um pesadelo em que era confundida com um saco de pipocas e jogada na jaula de um elefante faminto.

Escovei os dentes e tomei banho pra ficar apresentável e fui distribuir meus doces.

Gritaria no portão ao lado. Descobri que meu vizinho marcou de dar doces as onze horas, mesmo horário em que eu tinha decidido fazer minhas entregas. Um menino gordinho, pretinho que nem eu e que nem eu era quando criança, passou pelo meu portão e perguntou: - Vai dar doce aqui, tio?

Disse sim.

Peguei minha caixinha cheia de sacos de doces e dei um saquinho pra ele que era a mesma coisa que
dar pra mim. Ele sorriu. A vó dele sorriu. Sorrimos.

Uma moça veio me pedir doce pra filha da neta da afilhada da professora da neta da parteira dela e eu
expliquei que o segundo saquinho tinha que ser dado na mão de criança. Ela me disse: - NÃO SEJA
POR ISSO. E avisou aos erês da outra fila que eu tava dando doce. Algazarra e gritaria. Os doces
voaram.

Entrei em casa com as caixas vazias. Escorreguei na embalagem de “beijinho” e me amparei na mesa
da sala pra não cair. A mesa balançou e meus perfumes caíram de detrás dela. CONGELEI.

É mole?

SALVE OS ERÊS!