Por O Dia

Quando Seu Gaguinho morreu foi um fudevu de cassarolê em Cavalcanti.

Seu Gaguinho era queridíssimo por todos, apontador de bicho antiquíssimo da região, presença marcante de todas as festas da região e cachaceiro daqueles que nem podem pegar muito sol pra não entrarem em combustão espontânea.

Baluarte. Contribuía pras vaquinhas dos enterros dos vizinhos mais pobres, dava presentes decentes pras festas de Cosme e Damião, encomendava o bolo do Dia das Mães nas Casas da Banha de Cascadura, chegava juntinho nas festas juninas... Seu Gaguinho era fodERROR404.

Mas morreu.

No auge de seus 74 anos.

Mucuca, que, apesar de só ter o braço esquerdo, era seu braço direito, chegou com a notícia e pegou a família de surpresa porque Seu Gaguinho havia saído de madrugada pra pescar com amigos gozando de plena saúde.

Dona Mica, a viúva, se urinou inteira quando, no meio da tarde, se preparando pra assistir à milésima reprise de algum episódio de A FEITICEIRA, recebeu a notícia fatídica.

- A fenhora me ferdoe felo chupefão... - Mucuca era fanhíssimo.

- Chupefão? Que diabo é isso? - Dona Mica não entendia Mucuca estar em sua casa sem o seu marido, e estava um pouco nervosa, mas não imaginava a trauletada que viria.

- Chupefão, é quando a vente não prefara muifo pra dar a notífia...

- Supetão! Entendi. Conta logo essa caceta.

Mucuca obedeceu: - Seu A-inho moeu!

- Mazuquê?

Mucuca, sem a menor diplomacia, apontou pra foto de Seu Gaguinho dependurada na parede da sala, fechou os olhos e cruzou os braços sobre o peito imitando um morto no caixão, pra se fazer entender.

Dona Mica petrificou e gritava sem sentir:

- UÉUÉUÉUÉ! - uma sirene.

Badalhoquito, hamster albino que ficava numa gaiolinha em forma de Palácio Quitandinha, levou um susto tão grande que fez um cocôzinho em forma de arroz e também morreu.

Só Edilvânia e Edmilson, netos do casal, estavam em casa com a avó. Edmilson, pré-adolescente de quase 12 anos, chegou vestido de Batman na sala, máscara e tudo. Sofria de uns buruburus mentais desconhecidos na época, e de vez em quando cismava com uma roupa e não tirava mais do corpo. Mucuca já estava acostumado, mas se assustou com a capa e a máscara preta. Achou agourentas. Rezou um pai nosso fanho e engasgou no amém.

Edilvania demorou a chegar na sala, e veio carregando panos brancos e alguns fios de conta colorido.

- Mucuiú, minha senhora! - Falou pra vó com reverência, e começou a tentar vesti-la com os tecidos que trouxera.

- Eu não estou incorporada, garota!! - Dona Mica era explicadora pra alunos de primeira série e também dava consulta com Vovó Maria Conga e Pomba Gira do Parque Incendiado. Edilvania era sua cambona. - Eu gritei porque aconteceu uma coisa horrível.

- Seu afô moeu!! - Mucuca, ansiosíssimo, atropelou a fala da dona da casa.

Edilvania caiu como se tivesse implodido. Molenga que nem titica de pombo. Não desmaiou. Virou poça.

Dona Mica deu um tabefe em Mucuca.

- Palhaço, ela tem sopro no coração.

Edmilson ficou em pânico e perguntou, rompendo seu silêncio:

- Vovô morreu??

Dona Mica foi tentar explicar as coisas pro neto e reanimar a neta, mas foi surpreendida por Peita, a sapatão quebra galho do bairro, que entrou intempestivamente em sua casa.

- Dona Mica, sua bênção. Ouvi seus gritos e achei que era algum crime...

- Peita, minha filho, meu filha... ai, sei lá... Mucuca tá me dizendo que Anacleto morreu.

Peita era preta que nem lápis de cor e ficou branca que nem gordura de bife cru congelado.

- Não é possível, eu vi Seu Gaguinho tem menos de três horas...

Dona Mica ficou impressionada.

- Você estava em Sepetiba??

Mucuca queria tapar a boca de Peita, mas ela conseguiu se livrar de seu único braço.

-Não, senhora... Estava em Madureira.

- Tem lugar pra pescar em Madureira?

- Lá tem uma terma chamada Aquário.

- Anacleto não faria isso.

Uma voz entrou na casa antes de seu dono.

- Faria... Papai morreu no meio de um bundalelê, mãe.

Quem falava era Júnior, filho mais velho de Dona Mica, pai de Edilvania, professor de autoescola.

Dona Mica ficou desdentada de perplexidade.

Continua...

 

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