Por André Gabeh
Rio - Anacleto Júnior tentava acalmar a mãe e convencê-la de que sua presença no enterro do marido era imprescindível.

- Galo onde canta, janta; onde janta, caga; onde caga, dorme, e onde dorme, morre. Tava com as quengas no desfrute? Elas, e todos vocês que sabiam dessa safadeza, que vão homenagear esse morto.

Mucuca pareceu gostar da ideia quenguística, mas Dona Mica lhe dirigiu um olhar tão fulminante que seus mamilos explodiram que nem pipoca.

- Mamãe, pensa direito. O enterro de papai tem que ser hoje! Ele inchou muito por causa do infarto.

Dona Mica ficou verde-aipo de espanto.

- Enterro de noite?

Anacleto Júnior explicou que estavam resolvendo tudo pra ser, no máximo, até as 18h.

- Enterrar esse salafrário na hora em que Nossa Senhora Aparecida entra na minha casa pelo rádio? Não mesmo.

Edmilsão, filho mais novo de Mica e pai de Edmilson Batman, entrou singelo em casa. Dona Mica, furiosa e bebendo um copo de sidra quente surgido não se sabe de onde, perguntou pra ele:

- Edmilson, você também sabia dessa pouca vergonha de seu pai? Sabia?

- Nunca soube, mamãe. Achava que papai tava aposentado da safadeza desde aqueles problemas de diabetes.

- Muda de assunto Edmilson. UÉUÉUÉ... - Dona Mica agora bebia Safadinni, um genérico de Martini, no gargalo e começou a gritar, visivelmente incomodada com o assunto diabetes

Edmilson era calmíssimo, sereno, falava baixo. Sua voz era sussurrante como o barulhinho do xixi da vaca caindo no mato fazendo pocinha. Mas Anacleto Junior era estressado, objetivo e pediu, ríspido:

- Peita, pega meu caderninho de telefone, o telefone sem fio, meu teletrim e o de papi e vai lá pros fundos ligar pra nossa família e amigos avisando do ocorrido e comunicando o horário do enterro.

- Qual horário, irmão? - Edmilsão perguntou com voz de mingau quente batendo no prato.
Anacleto se espantou, deixara o irmão encarregado dos trâmites com a funerária enquanto pegava as roupas do pai, mas o que ouviu não era nada agradável:

- Irmãozuco…

- Irmãozuco é teu rabERROR520. Fala logo.

Ed magoou, mas falou:

- Ainda não temos horário. Não estão achando caixão pro papai.

Dona Mica gargalhou enquanto misturava xarope com Pitu.

Aqui preciso fazer uma explicação e um esclarecimento: Seu Gaguinho não era gago. Seu apelido devia-se a sua semelhança com o porco Gaguinho, amigo do Pernalonga. Seu Gaguinho era todo roliço, barrigudíssimo e, apesar de preto, tinha a cara misteriosamente rosada. Era afro pink, e isso era muito peculiar. Um homem imenso que a morte inchou ainda mais. Morreu do tamanho de um iglu.

Venezuelllen, a irmã mais velha, chegou chorando descontrolada, acompanhada de seus trigêmeos adolescentes: Isaías, Isavoltas e Dilâmina Catarina. As crianças tinham traços orientais apesar dos pais amulatados, e eram conhecidos por Naruto, Goku e Feia. Feia. Isso mesmo. Arlindo, o marido, estava embarcado. Trabalhava com petróleo.

- Meu pai morreu e não tem caixão pra ele? Um homem tão bom! - Venezuellen gritava em avançado estado de piririmpompom.

Dona Mica riu um pouco mais. E comentou:

- Usa aquela Brasília velha dele como caixão. Lá ele cabe.

- Que isso mamãe? - Venezuellen ficou tão assustada que o choro sumiu. - A senhora está bem??

- Estou ótima. E vão por mim: Pega aquele rinoceronte, mumifica ele com as calcinhas das sirigaitas dele, enfia na Brasília, adorna com uns paralelepípedos pra dar peso, reboca o carro até a Baía de Guanabara e joga lá. Adeus

Todos ficaram chocados. Feia não esboçou reação.

Peita perguntou se poderia ir fazer as ligações. Anacleto deu permissão e pediu pra ela tomar cuidado com Janjão, o pastor alemão que estava preso lá nos fundos pra sarar dos carrapatos.

Peita foi.

Os filhos tentavam acalmar Dona Mica enquanto Mucuca e os jovens da família choravam ao redor da gaiola de Badalhoquito.

Dois homens elegantes com cara de vendedores de panela entraram pela porta aberta e anunciaram entre a balbúrdia dos presentes:

- Não queremos machucar ninguém. Isso é um assalto.

Só se ouviu a voz de Dona Mica:

- Ah, pronto..

CONTINUA.